Viajar, conhecer lugares novos, culturas novas, hábitos diferentes, paisagens desconhecidas, gastronomia local – é do que mais enriquece uma pessoa. Nos tempos que correm, há um enorme senão a separar a gratificação interior quando regresso de uma viagem e a decisão de ir: a viagem.
O que é curioso: porque a modernidade também vem perfumada com as facilidades de circulação das pessoas. Só que essas facilidades não passam de teoria. As leis (dentro da União Europeia) fazem parte da teoria; a profusão de companhias de aviação low cost, que trouxeram a turba para os aeroportos, também. A massificação do turismo é o eldorado que alicia cada vez mais gente a mover-se de um lado para o outro, para saciar a curiosidade pelo desconhecido. Só que os aeroportos enxameados de gente são um pesadelo que desencoraja quando começo a fazer a mala antes da partida.
Ocorre-me um adágio popularizado por economistas: “não há almoços grátis”. Contra o meu acesso elitista, o contra-argumento: o embaratecimento das viagens tem outro custo. O custo da horda faminta de voar, que atafulha os aeroportos e demora os check-in, os intermináveis check-in. Os que se apressam a fazer fila na porta de embarque, porque as companhias low cost, na versão minimalista do negócio, não marcam lugares aos passageiros. Aí falam mais alto as idiossincrasias dos povos. Há confusão quando a fila é composta por uma maioria de povos latinos – e há insultos, invariavelmente, quando é gente lusitana que tenta à socapa ganhar um lugar passando à frente dos estóicos que foram de véspera. Ou a anarquia organizada dos italianos: uma fila nunca é uma fila; vai engrossando para o lado à medida que aparece mais gente a colocar-se ao lado dos que já lá estavam.
Pelo meio há apertados controlos de segurança. Culpa dos terroristas que infernizam a vida ocidental, na furiosa guerra que nos moveram; ou culpa das autoridades, que aproveitaram para reforçar controlos de segurança e exercer uma férrea disciplina sobre os passageiros. É nos controlos de segurança, sobretudo em Londres, que me sinto como um indiferenciado ser e vejo os zelosos funcionários a tratar a horda como se fosse uma manada. Sorrisos entre os funcionários, uma miragem. Palavras de ordem, ressoando um militarismo repugnante, estão na ordem do dia. Não há lugar a hesitações dos passageiros, ou a deslizes que importunem os seguranças. É logo motivo para um desconfortável interrogatório policial, que pode levar à perda do voo sem lugar a gratuita colocação no voo seguinte. Controla-se tudo e mais alguma coisa. Até os sapatos, que saem dos pés e passam por um sofisticado controlo de raio X, enquanto os pés – todos os pés – passam ao lado numa área de duvidosa higiene.
Nos controlos de passaporte (quem viaja de e para as ilhas britânicas ainda se sujeita a este anacronismo), é habitual calhar em sorte um funcionário desconfiado que olha para mim e detecta traços de terrorista potencial. Demoro-me sempre mais que os passageiros que estavam antes. O funcionário digita demoradamente o número do bilhete de identidade, cruza não sei quantos dados, olha para mim com cara de poucos amigos e, por fim, devolve, contrariado, o documento de identificação sem lhe ouvir uma palavra que seja. É penoso testemunhar a discriminação que atinge etnias sobre as quais recaem metódicas suspeitas. Indianos, paquistaneses, árabes de diversa proveniência, demoram-se longos minutos no guichet. As pessoas que vêm atrás já o sabem e encaminham-se para os outros guichets. Se já me é desconfortável ser retido por uns instantes mais que o normal, imagino a sensação que percorre aquelas pessoas ao estacionarem tantos minutos diante do funcionário das fronteiras.
Viajar, hoje, tornou-se um suplício. E até todos os atractivos que o turismo oferece, com as delícias diversificadas que os turistas procuram, começam a perder peso na hora de decidir embarcar. O paraíso das low cost, só se for a poupança na hora de comprar o bilhete. O resto, faz parte do suplício. Mas todo o suplício encerra um instante de comédia – de tragicomédia. O momento hilariante está reservado para o final das viagens, quando o avião se faz à pista (e não sei se é acaso, mas nos voos low cost que tenho feito está sempre muito vento na hora de aterrar, pois o avião abana imenso…). Quando a turba sente que aterrou em segurança e se liberta do colete-de-forças onde sustinha a respiração, soltam-se alguns aplausos que depressa se contagiam à maioria dos passageiros.
Apetece perguntar: e por acaso estavam à espera que o voo tivesse um final diferente? Que a aterragem terminasse numa catástrofe?
(Em Forlì, Itália)
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