Sigur Rós, “Andvari” (live at Reykjavik), in https://www.youtube.com/watch?v=4FDULxUeMpQ
Sem escala nem métrica, o santuário do medo recebe as vozes que o materializam. Sobem pelas paredes os murmúrios que transgridem a angústia. De cada vez que anoitece, a boca emudece por dentro, tomada por vultos avulsos que conspiram em colusão. A chama dos pesadelos desadormece a noite, transfigurada num sobressalto contínuo.
As relíquias guardadas supõem um passado próspero. A infância guardada na concha da mão, de onde saem fragmentos luminosos que avivam o dia, quando o dia amanhece entristecido pela capitulação ao tempo limítrofe. Apetece desafiar a conceção do tempo. Esvaziá-lo por dentro até ficar um quarto vazio à espera de ser habitado. A escolha não pode ser ao acaso. O critério meticuloso é a janela por onde respira a ambição.
Às vezes, o dia segue pelo tempo fora como se fosse um trapezista a percorrer o fino fio sobre o precipício. A boca mantém o silêncio para não se despenhar. As mãos agarram-se à efemeridade como se ousassem a sua metamorfose na dilação do tempo. Sem ser a hibernação de quem empurra o tempo com a barriga, omitindo o choque frontal com a realidade, como se fosse possível travá-la com a firmeza das mãos.
A matéria dos sonhos é frágil, um candelabro de cristal que não é à prova de sismos. E todos os dias há sismos que ficam guardados para memória futura, mostrando uma linha acidentada que tremeluz com cada indisposição que desassossega o magma. Como se fosse um mapa de cicatrizes. Ninguém está a coberto de uma fratura exposta quando as entranhas se sublevam, bramindo as dores ao acaso de quem se sente acossado pela indiligência dos negligentes. Deviam ensinar desde os bancos da escola o que é a negligência e como a devemos evitar.
Se fôssemos como as aves migratórias, teríamos um propósito. Estávamos, é certo, empenhados numa rotina que se encorpa todos os anos. Mas já somos seres viciados em hábitos; que mal faria termos as rotinas das aves migratórias? Seríamos o nosso próprio cata-vento. Sem bússolas, que são instrumentos alheios, intrusos. E assim iríamos atrás da inteligência, um processo selecionado em nosso abono, combatendo a tendência natural de sermos presas da nossa própria caça.
Então, seria possível abraçarmos os sonhos com as mãos desimpedidas. E os sonhos seriam os implausíveis lugares a que nos entregaríamos, desapossando a usura do tempo e dos outros.
Sem comentários:
Enviar um comentário