Deftones, “My Own Summer”, in https://www.youtube.com/watch?v=XOzs1FehYOA
O espelho do misantropo é o seu pior inimigo. Pois o misantropo está na ponta contrária da corda segurada pelo narcisista. Se se disser que um misantropo o é por odiar os outros e muito de si gostar, não é um misantropo. É um farsante que disfarça a imagem sublime que de si tem com o rancor que os outros causam. Para ser um genuíno misantropo, o misantropo tem de começar por não gostar de si mesmo. Depreciando-se intencionalmente, fica livre para não gostar de estar no meio dos outros e deles não gostar. Essa é uma modalidade arrevesada de narcisismo: por o misantropo não gostar de si mesmo, ele tem autoridade para estender o diagnóstico aos demais. Não se protege dos outros como intrusão, defende-se de si mesmo num ato espontâneo de autodesvalorização. Sem querer saber se a análise colhe para além de uma hermenêutica essencial, não importa que o misantropo seja genuinamente o crítico mais feroz de si mesmo, ou que se socorra do estigma autoimposto apenas para ter uma couraça contra os outros. A análise deve começar pela outra extremidade: o misantropo está à vontade para não se sentir à vontade com os outros porque começa por não estar à vontade com o seu eu. Não há misantropia de outra estirpe. Os que se excitam com a imagem devolvida pelo espelho e depois espalham desprazer no trato com os outros não são misantropos. São oportunistas que procuram um pretexto para sublimar o seu eu: o eu que adoram confronta-se com os outros que estão a léguas desse esplendor. Essa misantropia é o eufemismo de um narcisismo mal disfarçado. Por isso, o misantropo não se assusta quando presta contas ao espelho. O espelho do misantropo é o seu pior amigo.
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