The Breeders, “Invisible Man”, in https://www.youtube.com/watch?v=RpZH8tFcJmU
“Dog is life.”
Os tratos maus a animais de companhia provocam uma repulsa violenta. Violenta no sentido de ser difícil evitar uma súbita vontade de exercer violência contra os que maltratam os animais de companhia. Porque há uns arautos da humanidade (assim fazem de si o juízo) que peticionam a favor do direito exclusivo de as pessoas ostentarem à lapela a distinção de direitos e deveres que deve ser vedada aos demais animais. Estes são falsos humanistas: não passam de etnocêntricos recauchutados que se ensimesmam na condição superior em que se autoconstituem, deixando o nada para os demais animais. Na lógica dos juristas novecentistas (os que aí viveram ou os que viveram mais tarde, agarrados a esse espartilho epocal), os animais não são assunto de conversa; não passam do domínio das coisas.
Sendo coisas, têm os mesmos direitos e assiste-lhes a mesma dignidade de um abat-jour, um passe-partout, de um degrau de uma escada (ou da escada inteira), ou de um cinzeiro até repleto de cinzas. Não se incomodam (ia a escrever: “não se comovem”, mas fui a tempo de fazer marcha atrás) com agressões a animais, sobretudo àqueles que, por alguma razão, os mesmos lugares-comuns de onde projetam a sua existência convencionaram chamar animais de companhia. Talvez se esforcem por disfarçar uma adesão calculista às leis modernas que qualificam como crime o abandono, os maus-tratos, a carnificina que o é mesmo quando um só destes animais é sacrificado. Outros, seguros da sua intrínseca boçalidade, dizem, enquanto arreganham a taxa de Sisífio, que às coisas não-assistem-direitos-e-ponto-final.
Em alguns destes abjetos opositores da causa animal insinua-se uma reação contra o movimento contrário que exagera na afeição aos animais de companhia e que, na maneira de ver dos críticos, prefere direcionar os afetos aos animais em vez das pessoas. Esta é uma peleja inútil; nunca se saberá o que esteve na origem, se a boçalidade dos etnocêntricos, se a ingenuidade mal disfarçada dos novos emissários da causa animal.
Por alguns momentos, apetece acreditar na reencarnação para encomendar os vetustos militantes do etnocentrismo à condição de animal de companhia na sua próxima reencarnação. Ou imaginá-los, num exercício criativo, a recuarem uns séculos em forma de holograma só para se sentirem atirados às feras num circo romano. Mas, como não creio no poder heurístico da vingança, limito-me a pôr as barbas de molho e a assistir, desde um camarote privilegiado, à estultícia arrogante (ou à arrogância estulta) dos boçais militantes das botas cardadas que qualificam a superioridade antropológica da espécie de que são desembaixadores.
Sem comentários:
Enviar um comentário