28.5.18

A incompetência não é de propósito


Unknown Mortal Orchestra, “Everyone Acts Crazy Nowadays”, in https://www.youtube.com/watch?v=ad2Iy0DMCWU
Não é uma convocatória à comiseração. No máximo, é condescendência; e a condescendência não chega a assumir os foros da comiseração. Na condescendência, toleramos um certo atributo, um certo gesto, um punhado de palavras; toleramo-los, apesar de nos serem desagradáveis, às vezes até roçando a agressão – e toleramos porque não queremos ser fautores de julgamentos de ninguém e os atributos, ou os gestos, ou as palavras pertencem a quem teve sua autoria. 
Na comiseração é diferente. Olhamos com piedade para alguém e, desse modo, não conseguimos reprimir (mesmo que seja involuntária) a noção de que olhamos para um desgraçado que precisa de ombro para seus prantos. O mais certo é não estarmos disponíveis para emprestar o ombro, mas não deixamos de verter uma lágrima de pena pelo desgraçado. Não se sabe se a comiseração adianta alguma coisa: não corrige o infausto que se abateu sobre o comiserado, que continua imerso em sua desgraça, não sendo dissolvida na exata medida das doses de piedade que sobre si são ungidas; poderá, no limite, desembaraçar as teias que aprisionam os fundilhos das consciências de quem julga que a comiseração alivia as dores respetivas.                
Dizem que a incompetência é uma praga. Pressuposto: a incompetência não é propositada. Quem, no seu perfeito juízo, admite fazer de propósito para ser tido pelos outros como um incompetente sem remédio? Tirando os casos (que são exceção) de gente que tem a patologia da autopunição e dos outros que costuram uma estratégia para serem empurrados para fora sob o pretexto da sua incompetência, não parece que alguém caia no rodo da incompetência por livre e espontânea vontade. Ou seja: a incompetência é inata – e nisso há alguma espontaneidade, mas que se sobrepõe à vontade do incompetente, pois fora das exceções assinaladas não há vivalma que queira ser incompetente.
Deste modo, não devemos condenar os incompetentes ao degredo. Não os devemos isolar num redil onde são mostrados como antítese do que devem ser os competentes quando se esforçam por sê-lo. (Até porque a subjetividade dos juízos, e o entendimento do que é competência e o seu contrário, atiram muita plasticidade à função.) Talvez seja caso para exibirmos alguma comiseração aos incompetentes, mesmo que da incompetência sejamos vítimas. Não devemos esquecer: não são incompetentes de propósito; está-lhes no sangue. Resta-nos lamentar a sua condição. Sem efabulações suplementares, sem deles escarnecer, não permitindo que o juízo crítico ultrapasse os limites de alguma civilidade.

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