Zeal & Ardor, “Don’t You Dare” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=BFGU0g1LA9I
Era uma idolatria excessiva: noctívagas enseadas, escondidas das pretensões avisadas, abrigavam os seres cultivados como deuses, ou pelo menos assim por eles próprios entendidos ao olhar outro. Não havia nada a fazer. Os pedestais eram frágeis como a casca fina que protege os ninhos de pássaros. Ao menor contratempo, era toda uma imagem autoconstruída em estilhaços, numa reificação à força, uma aterragem forçada e dolorosa.
Tudo isto fazia lembrar aquelas paisagens severas, mas com predicados encantatórios para cineastas: as paisagens industriais, a sucessão de chaminés arrojando doses maciças de fumo negro, como os seus danos diminuíam o ar doméstico e, mesmo assim, havia artistas que prestavam homenagem à intensa estética do quadro. Não se importavam com os vestígios acumulados na prova da intemporalidade, como as sucessivas camadas de poluição eram o algoz das gerações futuras, quando as terras deixassem de ser férteis, o ar se tornasse irrespirável e aquele lugar passasse a ser inabitável. Todo o peso da infâmia cairia sobre o dorso de crianças inocentes, provavelmente ignorantes do sentido de uma poluição castradora. A imagem derradeira das chaminés seria a sua capitulação, logo a seguir ao êxodo forçado e ao exílio das crianças, condenadas a serem adultas antes do tempo. O mal já estava feito.
A idolatria que se ensimesma tropeça nestas provações. Os demais são indiferentes. Pois os fumos movimentados pelas chaminés têm ancoradouro noutro lugar. Ninguém sabe se os habitantes desse lugar aceitam o papel que lhes está reservado pela decisão unilateral da casa de partida, quando encomenda a algures os fumos indesejáveis. Neste estado de coisas, há uma guerra civil permanente entre os diferentes lugares, entre as diferentes personificações que se digladiam com um manto de silêncio como pano de fundo.
A sucessão de chaminés e o seu rasto devastadoramente silencioso é a vergonha em que se decompõe a idolatria cultivada. Diz-se, no âmago colonizado pelo ensimesmar: os outros não importam. Até chegar o momento em que um dos outros é necessário e a liga metálica do oportunismo, depois de decapado o verniz fátuo que cobre a veneração, alimenta a infâmia em que se consome quem do outro precisa. Talvez não tenham sido adultos antes do tempo, como se supunha. Talvez não tenham crescido nem com o beneplácito do tempo. Foram poupados ao tempo. Agora, não sabem ser adultos.
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