23.5.18

Diplomacia narcísica


Ty Segall, “Despoiler of Cadaver” (live in KUTX98,9 Radio), in https://www.youtube.com/watch?v=xl2fPOnVB_8
Há aqueles apoderados do super ego que não se contentam com a menor das medidas. Exaltam-se a toda a hora. São predestinados. São diferentes. São melhores. São referência e exemplo. Convocam o reconhecimento e o aplauso. Não se contentam com o interior regozijo dessa superior condição: a exibição imperial faz parte da exaltação interior; se os outros não são capazes de reconhecer o seu superior estatuto, de que serve que a narcísica entidade se projete para o exterior?
A diplomacia padece desta patologia. Perguntem ao ministro e a diplomatas de carreira e são céleres a inventariar as proezas pátrias. Não percebi se serve para ostentar divisas, no pessoal comprazimento de se acharem ungidos pelo bastão das políticas corretas, ou se é uma projeção versátil para fidelizar apoios e besuntar o dorso necessitado com uma dose, uma dose que seja, de orgulho pátrio. Se a última for a hipótese a considerar, o ministério é muito mais dos negócios internos do que dos negócios estrangeiros.
O pior, é que o discurso acontece em circuito fechado. É uma farsa, por omitir os termos de comparação. Somos fautores das proezas diplomáticas de raiz exaustivamente enunciadas, mas ninguém investiga se ficam aquém ou além das proezas diplomáticas dos países rivais. (E, neste domínio, por mais que contem os eufemismos da linguagem codificada e devidamente medida dos diplomatas, todos os países são rivais a partir de um certo ponto.) É um cortejo de dados esmagados contra a audiência; mas é um esmagamento pedagógico, com o propósito de arrancar um aplauso, ou com o propósito de a audiência sair da audiência e apaziguar as dores por ocasião das dúvidas existenciais acerca da pertença e da identidade.
Há um sentido pueril em tudo isto. O narcisismo diplomático arregimenta lealdades dos que estejam enfeitiçados pelo desfilar das proezas, mas diz pouco sobre o resto – e o resto conta mais nestes cálculos. É pueril porque se assemelha à pose infantil dos que estão enfeudados num super ego e precisam de exibir, a bandeiras destravadas, o viço do orgulho próprio. É infantil porque sente que precisa de advertir a audiência para o óbvio, a menos que se duvide da capacidade de análise das pessoas, assim substituída pelos iluminados da diplomacia. 
Talvez tudo isto seja o sintoma de uma doença pátria profundamente enraizada, os despojos de um império que o deixou de ser. Fomos grandes quando andamos uns passos à frente dos demais. Entretanto, sucumbimos à concorrência e deixamos de ser uma circunstância no poder do mundo. Sobrou a herança do passado. E a esquizofrénica confissão de não sabermos como caber na pequenez que somos quando dantes fomos tão maiores. 
A diplomacia, ao que parece, continua atavicamente esperançada no futuro do passado.

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