Blur, “Tender”, in https://www.youtube.com/watch?v=SaHrqKKFnSA
Ponto da situação: ainda têm serventia os oráculos que se jogam incessantemente na boca dos arautos da prospetiva? Eles deitam-se na adivinhação do futuro, empreitada arriscada e, dir-se-ia, vã. E insistem, por mais que o tempo vindouro seja o desmentido da sua impresciente atividade, por mais que esse seja o tempo onde vem selado o seu malogro.
Os possuidores de oráculos passam uma esponja sobre o passado quando o futuro, em sua forma presente, trata de os contradizer. Têm memória seletiva; e se há de algo que se podem ufanar, é a desonestidade intelectual: só quando improváveis coincidências se conjugam para mostrar o devir em rima com o que pressagiaram, é que se erguem de peito feito e reclamam créditos. Essas adivinhações são acasos. Não têm a regularidade que tutele a condição invocada. Os inverosímeis profetas não conseguem saber do futuro porque nem o futuro sabe como virá em sua revelação. E se nem a posteridade cuida dos seus próprios termos, os simples mortais que querem saber mais do tempo vindouro do que o próprio tempo vindouro só podem ser tidos na conta de aldrabões refinados, senhores de uma impudicícia que é pergaminho para a sua (não) consideração entre os demais.
Devia existir um observatório dos profetas. Seria sua função adivinhar o passado que fosse emolumento perentório dos adivinhadores, a prova dos nove da imodéstia dos seus oráculos, consagrados que são a embainhar a batuta da impossibilidade do futuro. O observatório teria de repristinar as profecias seladas pelos impenitentes aldrabões. E depois faria o favor a toda a gente (menos aos ditos cujos) de cotejar as profecias com o tempo já resguardado do futuro, o tempo em que as profecias deixariam de o ser por ser o tempo que as desmente. Seria possível atestar que é mais fácil adivinhar o passado do que o futuro – o que não encerra nenhuma conclusão surpreendente, a não ser na própria formulação: não é habitual adivinhar o que já teve lugar na linha do tempo. Mas é útil, para expor profetas sem vergonha.
No epílogo das suas funções, o observatório dos profetas faria um lapidar inventário de atividades, ditando o encerramento dos possuidores de oráculo – ou, se teimasse o impudor dos ditos cujos, alimentada por um punhado de seguidores que se esquece dos termos presentes e apenas se interessa com a efemeridade do tempo vindouro, arranjar-se-ia um lodaçal qualquer para os deixar nele a vegetar.
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