24.5.18

Deixa andar


Rhye, “The Fall”, in https://www.youtube.com/watch?v=JJS5ywEIsA4
Princípio geral das facilidades: não levantarás o seu antídoto para não soçobrarem no caminho os peticionários. Não infundirás injustiça, para não te terem como persona non gratano vasto mar onde se aninham as facilidades entronizadas como direito constitucional. Deixarás andar. Se atrasos se sobrepuserem ao calendário, não te importes: os atrasos punem quem deles for fautor. Se for invocado o preceito culturalmente arreigado das facilidades constitutivas, não recuses a exortação: poderás ser movido para o desconfortável escol dos párias. 
(A menos que não te importes com os rótulos e, menos ainda, com os juízos afivelados pelos outros.) 
Deixar andar é o hedonismo militante que subiu na categoria das modas. Diremos: hoje, o máximo que se consegue é procrastinar – o que, por si só, já é massuda empreitada: assim como assim, os adiamentos exigem um esforço intelectual, na exata medida em que é preciso obnubilar o malogro de um prazo não acertado e, depois, impõe-se a hercúlea tarefa do adiamento, o que, por sua vez, exige um prazo que se suceda ao prazo de que entretanto se perdeu o vestígio. 
Deixar andar: as exigências (do domínio da interior predisposição para essa cultura) são aves raras. Homessa: se anda o mundo inteiro em demanda do holístico hedonismo, que cobre todos os lados da existência cuja existência se possa supor, por que hás de ser dissidente? Por que teimas em manter elevada a fasquia das exigências, mesmo que invoques a autoexigência como estalão que te conduz? Os outros não têm culpa da tua autoexigência. Não podem ser vítimas da muito elevada fasquia que dizes ser a tua interior bitola. Os outros são diferentes. Todos são diferentes de todos. A exigência que dizes ser teu sextante só a ti se pode aplicar.
O tempo é a líquida condição que não tolera apressamentos. Que propósito existe na monástica sinecura que aos olhos outros mais parece uma reclusão, como se um chicote estivesse constantemente adejando sobre o dorso à espera da primeira contrariedade, da primeira oportunidade para “deixar andar”? Não é tortura – diz-se – o malogro das juras alinhavadas a jeito da exigente aprovação de si mesmo. Talvez seja melhor deixar a maré fazer o seu caminho. Nadar no sentido contrário é uma canseira que melhor aconselha a “deixar andar”. 
Lembrete para memória futura: a preguiça militante impede os sobressaltos apascentados pela exigência interior.

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