18.5.18

O homem sem leme


Madness, “One Step Beyond”, in https://www.youtube.com/watch?v=SOJSM46nWwo
Da má loucura: um homem outrora entronizado destroçou pergaminhos com a demencial passagem pelos dias. De cada vez que falava, o corpo enterrava-se num pântano irremediável. Ele não dava conta. Cada dia que se retirava ao calendário era um peso que arqueava sobre o seu dorso. Ele preferiu fugir em frente. Ainda não se sabe se estava convencido que não havia precipício, ou se fora o desespero que o levou a transitar por esse que era o único caminho que o aceitava. 
A cada dia retirado ao calendário, rareavam pessoas à sua volta. A sua presença tornara-se tóxica. Tudo em que tocava transformava-se em matéria inerte, morta pela sua extrema-unção. Mas continuava a não se reconhecer um deserto, a aridez irrenunciável. Passara da fronteira em que o arrependimento (se merecesse a concordância mínima dos demais) é manobra de resgate pela marcha-atrás que cauciona. Não tinha remédio. Não tinha redenção possível. Já não era por causa do asnear acumulado – esse era um capital adquirido; era pela sucessão de despautérios que o abeiravam do despenhamento fragoroso. 
Continuava agarrado ao leme que ganhara em tempos. A cegueira não contemplava uma introspeção que destilasse equívocos. Talvez por serem em rol tão abundante e por ele, ainda que agarrado a um leme que era de um navio desabitado, ter caído em negação. Convenceu-se que todos conspiravam contra ele. Era o mundo contra ele – e ele, em vingança, cavalgando na redobrada conspiração contra o mundo. Talvez não se olhasse ao espelho. Nem se escutasse quando proclamava os maiores disparates, de jaez inconfundível e sem par com outros seus semelhantes, dizendo-os como se de coisas sérias se tratasse. 
Teimava em ter o leme nas mãos, escondendo-o dos outros. E enquanto o navio assim mal tripulado estava no limiar do abismo, ele insistia em golpes de asa que eram deslumbrantes manifestações de loucura – da má loucura. Por mais que à sua volta houvesse deserções a eito, não se desagarrava do leme. A negação patológica impedia-o de contemplar o quadro mais belo de todos: ele já não tinha mão no leme, mas ainda continuava convencido que era suserano. 
Era uma questão de tempo até ser defenestrado. 

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