Morphine, “Cure For Pain”, in https://www.youtube.com/watch?v=3RJ188KsVyw
Que império é este em que não se sente nada? Vende-se a alma aos impropérios, sinal da manhã irascível que se compôs à espera que o sangue fervente se acalme. O propósito é alcançado, depois de um módico de insistência. O que sobra assemelha-se a um deserto. Não se vê nada, a não ser a paisagem abúlica, imperturbável, igual que parece ser até que o infinito seja desmentido. Não há gente. Em alturas tantas, a ausência de gente podia ser uma dádiva. Não é quando a sensação do deserto acomete sobre a pele. A gente em redor seria a tradução de algo tangível, a denegação do deserto que tresanda a fatalidade. Os dedos empurram a tela diante dos olhos, como se fosse possível mudar de cenário com um simples gesto. Não acontece nada. E nem o sol alto, que parece crestar o horizonte (a crer pela imagem tremeluzente que vem ao olhar quando ele se projeta no fio do horizonte), provoca o menor desconforto. A anestesia faz os seus efeitos. A anestesia: um estipêndio não aconselhável – a menos que tudo o que se queira seja o exílio forçado, a extração aos lugares adjacentes que não carimbam o sono mitigado. De lugares destes não interessa ser habitante. Na impossibilidade de um refúgio físico (porque nem sempre fugir é hipótese, até por naufragar a hipótese no derradeiro degrau, capitulando à covardia), a anestesia é um isolamento que serve de sucedâneo. Depois, sobram os vereditos impostos ao pensamento. Se o fingimento não for apoquentação, a anestesia é a medida certa para dissolver as dores da existência numa nuvem acastelada. Mas pode o fingimento congraçar uma dor maior. Quem para ela for atirado, acaba por perceber que pior do que o lúgubre lugar onde tem existência é fingir que pode existir, num sonho deslumbrante sem chão para pisar, um lugar alternativo que seja sua antítese.
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