20.12.18

O músculo da negação (short stories #79)


This Mortal Coil, “Kangaroo”, in https://www.youtube.com/watch?v=WByGMjdejD4
          A casa perdida no meio da montanha, onde não há mapa desenhado que a traga no rebordo. Não se consuma a atenção com os textos desapalavrados para os rodapés – alguém advertia, em tom professoral, enfeitando as palavras sábias com um certo odor a sensatez, sem perceber que esta negação era um risível ardil em que a sua putativa condição era desvendada. Era como aqueles que se encomendam à melancolia e seguem, pesarosos, para a varanda de onde se alcança o mar na vertical, dando a entender que o cansaço da vida (e a injustiça de que se dizem vítimas perenes) já não cauciona a sua continuação. Mal chegam ao promontório, atemorizam-se, um intenso frio tomando conta da coluna vertebral – sinal de que temem pela existência e que tudo não passa de uma encenação para animar a comiseração por si mesmos. Ou aqueles a quem era exigido que “pensassem fora da caixa”, não dando conta seus desafiantes que eles eram os primeiros a ser recomendado, e com uma certa dose de urgência, o mesmo fado. É como se todo o ser tivesse um músculo, um escondido músculo, não sindicável pelas evoluídas máquinas de diagnóstico médico. E esse músculo exortasse uma negação compulsiva a quem se convencia que não era partidário da negação, aos corsários que eram o postulado ambulante da “vida positiva”. O que lhes faltava – e por eventual medida certa do músculo da negação – era positivar a existência de que se diziam lídimos embaixadores. Se virada do avesso e despida dos disfarces para consumo exterior, ver-se-ia uma devastação circulante, um circo decadente, eram mitómanos sistemáticos. A não ser que admitissem o músculo da negação e não o contrariassem. Serem o contrário do que o avesso da representação para o exterior encenava era o mito obnubilado, a negação da negação que pretendiam ocultar. E sabiam, ou deviam recordar dos tempos da escola, que uma dupla negativa desagua numa positiva.

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