Jonathan Wilson, “Desert Raven”, in https://www.youtube.com/watch?v=-hYiY1vOOVw
Foi preciso desbastar a planície que parecia não ter fim. Atravessar rios que corriam quase secos. Esperar pelas horas em que o sol não estava alto. Deixar o penhor de algumas noites ser o fiel do sono. Cansar os pés, de tanto andar. Julgar que estava perdido quando a paisagem era um imenso lugar impreciso, onde até as pedras pareciam iguais e colocadas nos mesmos lugares. Foi preciso esperar até a geografia oferecer a quimera de uma casa isolada. Dir-se-ia, se estivesse tomado pelas alucinações próprias de um deserto ávido de areia: a casa era uma simulação para se fingir por dentro do pensamento; apostava que mal se aproximasse da casa, ela seria liquefeita por ação das mãos.
A casa ainda estava longe. Era um ponto minúsculo no meio da paisagem. Era possível não a perder de vista desde o lugar altaneiro, uma passagem por um breve desfiladeiro. A casa marcava presença no vale onde o desfiladeiro desaguava. O telhado era garridamente vermelho e a casa meticulosamente caiada a branco. O sol irradiava toda a sua luz, acentuando a beleza da casa, assim exposta à generosidade do sol. Começou a descida, tendo a casa como ponto de mira. Pela primeira vez em toda a jornada, os pés debatiam-se com um chão pedregoso que dificultava a marcha. Ao mesmo tempo que sulcava o caminho a caminho do vale, a casa isolada continuava minúscula. Podia ser ilusão de ótica – ou o caminho a caminho do vale contorcia-se em curvas várias que mudavam a rosa-dos-ventos e dos diferentes ângulos que se ofereciam ao olhar dimanava a impressão de a casa não crescer à medida que se amputava a distância até ela.
Tinha acabado a descida e o desfiladeiro cedia o passo a outra planície. Pela primeira vez, uma planície fértil, com árvores e vegetação farta. A casa isolada tinha crescido pela medida do olhar. Já não era longe. Não se intimidou com o cansaço e prosseguiu a caminho da casa. Era a primeira vez em vários dias que podia romper a solidão, falar com alguém, talvez. Assim esperava, apesar de a casa estar isolada no meio de uma paisagem que se fundia com um imenso nada.
Demorou mais de uma hora até chegar ao perímetro da casa. Não sabia se era por o sol ter sido substituído pelas nuvens, mas a casa não era o postal resplandecente que notara desde o promontório. As paredes denotavam o desgaste do tempo, com marcas de escuridão denotativas da humidade que se insinuava em dias de chuva. Ao telhado faltavam umas telhas. As restantes estavam a ficar encardidas. As janelas escondiam cortinados gastos, amarelecidos. O silêncio só era derrotado pelo silvo do vento, que marcava presença ao entardecer. Cá fora, um tanque para lavar a roupa cambaleava, à falta de um dos quatro pés. Uma boneca envelhecida repousava na soleira. Mas o silêncio continuava a quadrar com o lugar, emprestando-lhe uma imagem fantasmagórica.
Bateu à porta. Ninguém respondeu. Insistiu. Manteve-se o silêncio, apenas entrecortado pelo ciciar do vento, em crescendo. Experimentou abrir a porta. Abriu-a sem ser preciso usar chave, ou forçar a fechadura. A casa parecia desabitada. Perguntou, insistentemente, se estava alguém. Só tinha o silêncio por companhia. Confirmava-se: a casa era isolada. Um santuário de solidão a coroar a ausência de gente naquele longínquo lugar. Já estava habituado. Enquanto repousava no sofá roto e se agasalhava com uma manta bafienta, à espera da noite que não demorava, perguntou se a casa isolada não vinha a calhar nesta peregrinação de solidão a que não conseguia atribuir significado.
Sem comentários:
Enviar um comentário