Wolfgang Press, “Cut the Tree”, in https://www.youtube.com/watch?v=chp-K2H1Uvc
Uma moeda de cinco cêntimos perdida no chão e passas nas suas imediações. Por ação da chuva, a moeda está encardida, com laivos de ferrugem. Não resplandece nem por ação do sol (que, entretanto, veio tomar o lugar da persistente chuva invernal). Não dás importância à moeda. Outro tanto não farias se fosse uma nota com um valor facial de, no mínimo, cem vezes mais.
Mas recuas. Voltas ao chão aleatório para onde a moeda foi arrastada. Notas os maltratos de que a moeda foi vítima: está escanada num dos rebordos, o que se junta aos maus pergaminhos que tinhas detetado (encardida e enferrujada). Baixas o corpo a custo (a maldita invernia que estuga o passo do reumatismo). Recolhes a moeda e sentes a bondade a irradiar do teu ser. Vem isto a propósito da intenção, que dizes ser perene, de afugentar de ti os modismos, os peculiares destemperos que são uma miragem que desvia a populaça, a embriaguez pela avareza, o valor do valor (em vez do valor despido de valor). Concedes: instantes antes passaste pela moeda de cinco cêntimos e ela foi votada à irrelevância; poderias estar embaciado pelos mesmos males dos outros que dizes deplorar?
Queres ter o convencimento da resposta infirmativa. Assim como assim, recuaste nas intenções e devolveste valor à pobre moeda perdida no meio de um chão imundo, perdida no meio da multidão que por ela passava e nem se dignava recolhê-la. Estás convencido que fizeste a diferença. Mas será que fizeste a diferença? Acabaste atraído pela moeda de pouco valor facial a que ninguém conferia valor ao ponto de ser recolhida. Acabaste traído pela mesma avareza que deploras nos outros; com a diferença que foste corrompido por um valor facial inferior ao estalão habitual da corruptibilidade dos teus pares. Talvez não seja ato louvável, o teu. O que fizeste com a moeda de que cuidaste ser tutor? Tiveste-a em teu paradeiro? Usaste-a para completar os sessenta e cinco cêntimos do café, em tendo em tuas posses apenas os sessenta cêntimos insuficientes? Guardaste a moeda num lugar reservado, como se fosse uma relíquia?
Não te lembras. Talvez não sejas diferente pela diferença que para ti reivindicas. Convence-te: de sermos tão únicos e irrepetíveis, não podemos (exatamente por essa singularidade) pretender que somos diferentes dos outros; ou: ao sermos todos diferentes uns dos outros, essa diferença é-nos comum. Somos em nós a moeda de cinco cêntimos a que ninguém confere atenção.
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