26.12.18

A ceifa adiada (short stories #81)


U.S. Girls, “Rosebud”, in https://www.youtube.com/watch?v=8cFnewlPpzI
          Na base está o coalho que instiga a adulteração: se não forem tomadas medidas, talvez fiquemos ultrapassados pela vertigem dos acontecimentos. Importa trespassar a inércia com adrenalina. Importa arrotear o caminho por entre a ramagem alta que ficou por sua conta no jardim. Se não for o caso, não é possível saber por onde andam os pés, o que levanta a hipótese de severos acidentes, dos acidentes que são evitáveis à nossa conta. É preciso uma ceifa meticulosa para deixar o chão à mostra. Mas o tempo poltrão congemina-se contra as vigílias da vontade – porventura, de uma vontade timorata, pouco convincente. Não contam as afirmações, por mais solenes que sejam, a ajuramentar a ceifa na cúpula do porvir. São gestos infecundos, não conseguem esconder (pelo menos, do íntimo do próprio) que encerram o ardil das promessas feitas com o propósito de algo ser esconjurado. Desembainha-se a régua e o esquadro e, com a ajuda de um estirador, tecem-se os meticulosos labirintos que são o logro inteiro onde se consomem as juras. Há uma descompensação entre o tempo que passa e o medrar da vegetação espontânea e a consternação que essa imagem causa. Descontadas as demais coisas (não desdenháveis), dir-se-ia estarem todas as condições prescritas para travar o passo ao postergar da função. Mas tudo acontece ao contrário. Parece que há duas metades que dirimem um interior conflito com vista a saber qual delas toma conta de quem as tutela. Se não forem arregimentadas as forças imprescindíveis, a intransigência do plano destrutivo sobrepor-se-á à pulsão construtiva. As ramificações estendem-se pela constelação de domínios que tocam a pessoa. Um atrás do outro, os diversos braços do delta são contaminados pelo apetite da inércia, enquanto a cabeça fervilha na formulação de ideias ajuramentadas para a posteridade. Em plena contrafação, os dois tempos resumem a barganha fadada para a omissão: o lastro que vem de trás arqueia-se sobre os tímidos alvores do amanhã que esbracejam, sem conseguirem a erupção à superfície. Sem açambarcar a jorna da ceifa, a vegetação aleatória e contumaz acabará por tomar conta de tudo. 

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