Interpol, “If You Really Love Nothing”, in https://www.youtube.com/watch?v=gLk8i2zw2jU
(Mote: isto não é um manifesto marxista)
“O trabalho dignifica”. Era o lema, outrora. O tanas! Quantas vezes o trabalho avilta, reprime, oprime, humilha? Quantas vezes é uma arena que cauciona o exercício de pura política quando se equacionam as relações de trabalho – os conflitos (surdos ou estridentes) entre superior e inferior, ou entre pares, com um deles a querer mostrar que se sobrepõe ao outro?
O trabalho também é usado para o esquecimento. O esquecimento do resto da vida, que, não por acaso, devia ser a sua parte mais importante. Os viciados em trabalho, os que se ufanam de serem tantas as empreitadas profissionais que nem têm tempo para a vida própria, encontram no trabalho um refúgio. O refúgio mesmo a preceito de se salvarem de uma vida desinteressante. Não digo que não seja possível gostarmos do trabalho que temos (eu, por exemplo, gosto). Mas reduzir a vida ao trabalho é uma metonímia. Confere com uma certa emasculação. Não há trabalho sem vida; eis o busílis da questão: a vida precede o trabalho. A dependência do trabalho inverte as varáveis que compõem o axioma. É como se o trabalho precedesse a vida – e, pior ainda, os dois se fundissem numa amálgama que descaracteriza, em que fermentam autómatos desenraizados (ou, conceda-se, apenas enraizados num lugar de solipsismo onde apenas medra o trabalho).
A vida precede o trabalho. Não o contrário. Eis o mote que os gurus dos recursos humanos, em fase de contratação para uma empresa, deviam inocular nos futuros trabalhadores. (Trabalhadores, em vez de colaboradores, se fazem favor!) Só um capitalismo suicidário quer pessoas que mais parecem sucedâneos de robots. A menos que estejamos a caminho do esvaziamento da condição humana, uma espécie de eugenismo empresarial, que passa pelo reinventar de bússolas que ensinam a consagrar o trabalho no altar supremo, desvalorizando o resto – desvalorizando o resto onde se entroniza a condição humana.
Está na moda: o trabalho centrípeto, o trabalho e apenas o trabalho, o trabalho levado para casa até aos fins de semana, a disposição a todo o tempo para corresponder às solicitações do trabalho, o respeito militar pelo chefe. Está na moda: este é o trabalho em que se trabalha para esquecer. Antes fosse, como já foi (para quem não precisava do trabalho se não para esse efeito), trabalho para aquecer.
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