13.12.18

O que um terrorista não consegue aprender: um ataque cego a inocentes não é um ataque ao sistema que deploram, é um ataque a pessoas que são inocentes


Badbadnotgood (ft. Charlotte Day Wilson), “In Your Eyes”, in https://www.youtube.com/watch?v=Fsm4ZsOzqTw
A ardósia onde se escrevem catecismos vários está puída, o giz arrasta-se vagarosamente, tropeça nas irregularidades da ardósia. As letras saem distorcidas, numa caligrafia ininteligível. Gurus debitam a doutrina na ardósia. Instruem os seguidores. Os seguidores limitam-se a beber a lição sem esboçarem interpelações. Têm de se embeber na lição numa posição acrítica. Não estão ali para discutir, nem lhes é dado o direito de alinhavarem uma ética diferente da ensinada. 
No varapau das hostilidades, quando se digladiam os diferentes, os pressupostos têm diferentes pespontos. Uma ética pode ser antiética para os que se posicionam de um lado que seja o contrário. E vice-versa – ou, no limite, a ética do lado contrário é irrelevante quando se arregimentam as forças que o contrariam. Na ardósia, cinzela-se um mandamento que os seguidores têm de interiorizar: “matarás qualquer um que seja, aos olhos da nossa crença, herege.” E outro: “Na terra do inimigo, ninguém é inocente. Matarás os que forem precisos para incendiar o âmago do lugar inimigo.” 
Ao seguidor da doutrina assim afivelada não é dado a perceber que as pessoas são a imagem da atomização e que elas não podem responder, em sua individualidade, pelo lugar que lhes calhou em pertença. Não é dado a perceber que uma pertença é um acaso – e que a identidade é, muitas vezes, produto de uma doutrinação preestabelecida desde os bancos da escola. Ele não discerne que entre os que vier a matar podem estar alguns que nem sequer têm nenhuma ligação com o lugar cujo âmago pretende estilhaçar com seus atos assassinos. Nem sequer lhe é dado a perceber que mesmo algumas das suas vítimas, mau grado tenham pertença ao lugar visado, podem não se rever nos cânones politicamente selados. O assassino generaliza. Dilui o valor da vida pessoal: ensinaram-lhe que não somos vidas pessoais; somos – e só isso – as unidades cujo somatório perfaz uma comunidade. A comunidade visada. O inimigo que é escolhido para mobilizar as hostes.
Faltará capacidade de compreensão ao assassino sobre a inocência dos mortos em suas empreitadas demenciais. (Ou esta ausência é convenientemente estimulada pelos ideólogos.) E falta coragem para dirigir os ataques ao que representa as comunidades que têm por hereges: os símbolos e as pessoas em que se entronizam essa representação. Talvez não lhes tenha sido ensinado que é do domínio da covardia fazer abater o produto da ira sobre os mais fracos, os que não têm como se defender das investidas aleatórias dos que assim agem em nome de uma divindade. Possivelmente, covardia e bravura têm um código significante que é o oposto do que aprendemos.

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