25.2.19

Amor sem nós atados (ou amor desmascarado?)


Xinobi & Gisela João, “Fado Para Esta Noite”, in https://www.youtube.com/watch?v=71wUAZgC4CM
Em plena súplica: “anda deitar-te ao meu lado, fiz a cama de lavado.” Ela está à sua espera. Aconteça o que acontecer. Mesmo que ele mergulhe na indiferença e não corresponda à súplica. Ou que decida o que decidir e se deitar na “cama de lavado”, sem que ela dê conta que esse deitar conspurca a cama: não será menos do que um oportunismo, o simples reificar da vontade do homem que ela espera.
Uma súplica: será rima acertada com amor? Um jogo de piedades quadra com o arrebatamento do amor, com a entrega uníssona? A mulher rebaixa-se. Capacita-se, mero instrumento dos desejos do homem, que só vem quando lhe apetece e ela sempre disposta a acolhê-lo. Uma súplica – ela devia sabê-lo, se não estivesse hipotecada pela obscuridade da dependência – não é semântica tolerável no amor. Ou então, redefina-se o amor: faça-se dele um jogo descomprometido, um jogo sem regras, a entrega sem absolvição, a subalterna condição a que fica remetida a mulher incondicionalmente amante. 
Se ele vier, ela exulta. O seu amor será cumprido. Não arrisca interrogar se o mesmo acontece nele. É melhor não arriscar a pergunta: prefere não saber, para não ficar refém da angústia de uma resposta indesejada. Não admite a possibilidade. Não saberia lidar com a deceção. Sabe que não pode exigir nada. A posição dela é tão singela, é a de quem tudo tem para dar. É a sua prova do amor. Incondicional, como ela sabe que há muitos homens que só sabem lidar com esse desigual estatuto do amor. 
Se ele não vier, ela espera. É a identidade do seu amor por ele. Não dá conta da patologia em que se encerra, nesta dependência viciante – vilipendiosa, se ela quisesse dar conta. Ou, apenas, o espelho fiel da sua imensa fragilidade, e ela ali, exposta, entregando-se na plenitude, nem que seja (como será) instrumento dos caprichos dele. Não faz perguntas. Limita-se a saciar o desejo do homem. Pela sua maneira de pensar, é assim que se costura o amor por um homem. Um não sinalagma. Uma reciprocidade não respeitada, em que a ela correspondem os deveres e nele apenas repousam os direitos. Ela contempla o amor marialva e condescende. Ou nem percebe que um amor destes, desigual – tão desigual – não é amor. A fragilidade que a deixa tão exposta e sem forças impede a lucidez que chegava para detetar a marialva condição de um amor assim falsário. Nem chega a ser frugal, exceto da parte dela (se não fosse contada a parte dele doentia).
Ou ela pode desprezar todas as anteriores considerações porque apenas intui o prazer quando ele se deita na sua cama. Na dialética da carnalidade, ela não é atriz passiva. Tira o seu próprio proveito. Não o admite (ele há ainda muito homenzarrão que se incomoda se souber que o prazer é de proveito bilateral...). E só não o admite porque tem no homem que se deita na sua cama apenas quando lhe apetece um homem-objeto. 
A vulnerabilidade não é dela. É dele, que sempre que se ausenta da cama e ostenta pose triunfante (no soez atrevimento dos marialvas), nem sonha que é tão objeto como ele dela faz.

Sem comentários: