Pixies, “Gouge Away” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=FiUNDeuBbi8
“Deve ser uma tremenda pressão psicológica, ser chamado tantas vezes a mediador”, tentou adivinhar, em jeito de lamento pela má sorte que lhe calhava amiúde. Em tempos, alguém notara que era sensato. Talvez fosse a sensatez, pressentida pelos outros, que granjeava os atributos conciliadores e, por isso, fosse convocado tantas vezes para atuar como mediador.
“Nem por isso. Limito-me a tentar construir pontes. É isso que esperam de mim quando pedem para ser mediador.” Não o dizia com falsa modéstia. Não sentia pressão, e muito menos psicológica, quando era chamado para mediador. A exigência não estava sobre os seus ombros. A sua posição acabava por ser a mais confortável – talvez, a única confortável – quando se sopesam os papeis desempenhados na tríade envolvida na mediação: duas das partes em conflito e ele recrutado para apaziguar as dissidências. A alegada sensatez (não autorreconhecida) podia ajudar no exercício da conciliação. A agudeza de análise (esse sim, atributo que autorreconhecia) era critério suficiente. Media a extensão das divergências, aquilatava a profundeza das feridas abertas e avaliava em que medida uma ponte entre os enrixados podia ter solidez para reprimir o conflito.
“E não sentes que podem acusar de não teres sido diligente ao ponto de promoveres uma ponte aceitável para os conflituantes?”, perguntou, com a curiosidade de um gato. Não era tão difícil como a pergunta intuía. A última acusação legítima que podia recair sobre o mediador era a de não ter sido diligente. Assim como assim, é uma atividade gratuita. E nem sequer colhe o argumento sociológico que “temos de ser uns para os outros” como esteio da imperativa aceitação do pedido de mediação e da inerente competência que se espera do mediador. Não é egoísmo considerar que os que arranjam problemas devem resolvê-los.
“Era o que mais faltava. O máximo que consigo é perceber onde está o menor denominador comum que seja a caução da ponte que se espera do mediador. Se os conflituantes querem persistir na divergência para além do tempo razoável e depois das minhas diligências, é com eles. Saio de cena com a mesma serenidade com que havia entrado – em rigor, até mais sereno. A última coisa que se pode esperar de um mediador é que seja uma das fatias do carpaccio. Os conflituantes é que são a matéria-prima do carpaccio. Eu sou, na melhor das hipóteses, a generosa gema de ovo que faz a fusão das carnes amalgamadas num bife tártaro.”
E ela, que não percebia de gastronomia (e não o queria admitir), saiu de cena mais confusa do que antes de nela ter entrado.
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