28.2.19

Viewer discretion (short stories #97)


Rhye, “Feel Your Weight” (Poolside Remix), in https://www.youtube.com/watch?v=tdsH-yuCbCw
          Nos países nórdicos, não há cortinas a separar a intimidade dos lares da curiosidade dos forasteiros. Quem está habituado a querer da sua casa uma fortaleza, à prova de olhares indiscretos que naveguem nas ruas com o fito de espiolhar o que se passa dentro das casas iluminadas e não protegidas desse olhar intrusivo, o hábito nórdico estranha-se. Parece incompreensível que as pessoas não se importem com os intrusos que, a partir do exterior, selecionam o olhar para captar um naco da vida das pessoas que se passa dentro das suas casas. O erro é de perspetiva: ou porque os transeuntes respeitam a intimidade do interior das casas e não calibram o olhar para as casas que se oferecem ao exterior; ou porque, em havendo o hábito voyeur, dentro das casas ninguém se importa que as suas vidas não sejam tão privadas como daqui pensamos que são quando correm dentro de casa. Como as culturas variam e a distância entre um país latino e um país nórdico é muita, os costumes são diferentes. Das vezes que fui a países nórdicos, não tive a oportunidade de pedir a um habitante local a explicação para a ausência de cortinas. Pode dar-se o caso de as considerarem um ornamento dispendioso, não se justificando tamanho gasto para se protegerem da invasiva curiosidade de quem, de fora, não reprime um olhar sobre as casas abertas ao exterior por ausência de cortinas. Ou até pode acontecer que, em harmonia com a diversidade cultural, os nórdicos considerem as cortinas um utensílio fora de moda. Os nórdicos teriam a apetência para atribuir mais valor ao fator económico (a carestia das cortinas) ou ao fator estético (as cortinas démodés), não se importando de sacrificar o valor da privacidade quando estão no interior das casas. Pressinto uma terceira hipótese, não banal: das vezes que fui a países nórdicos, percebi que as pessoas são desinibidas e não se incomodam com a nudez (própria e dos outros). Hipótese em que a ausência de cortinas se estriba no à-vontade com que passeiam os seus corpos desnudados, sem ser motivo de perturbação para quem se desnuda e para quem é testemunha da nudez.

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