22.2.19

Um mal menor não deixa de ser um mal (aguarela)


Badbadnotgood, “I Don’t Know” (ft. Samuel T. Herring), in https://www.youtube.com/watch?v=iv82_ZSwa4Y
Uma escolha por catálogo: percorrem-se as páginas, demoradamente, cotejando as alternativas. Dir-se-ia: a demora não é bom sinal, significará que é difícil acertar o equinócio da escolha; ou pode ser apenas a exigência da responsabilidade que determina a conspícua análise de quem se oferece no leque de alternativas. 
Há os que não tergiversam. Estão habituados a escolher sem pensar; escolher é só um hábito, e não há o hábito de interrogar criticamente as escolhas de mandatos selados às cegas. Outros não se contentam com a falta de critério. Examinam as várias propostas. Comparam-nas. Ajuízam-nas, procurando saber qual delas é a que recolhe as preferências, tudo o resto sopesado. Muitas vezes, as alternativas estão longe de ser convincentes. A educação convencionada exige uma escolha, ainda assim. Nem que seja uma escolha que se distingue pelo critério do “mal menor”. Não escolher é apostasia, uma inaceitável demissão que não quadra com a responsabilidade de cada um. 
No fundo, trata-se de um concurso em que só entram medíocres. O critério está em apurar o menos medíocre. Não deixa de ser um medíocre. Num rasgo cínico (e doloroso aos olhos dos tutores da impetuosidade politicamente correta), poder-se-ia rematar o raciocínio com o pressentimento de que a mediocridade é o espelho de quem escolhe; uma fusão indeclinável, pois os medíocres sentem a tentação de se alistarem onde já campeiam os medíocres que têm tido o pote na mão. 
(E só não se avança com esta tentativa de explicação para não ser apodado de elitista, acusado de descair para o insuportável autoconvencimento de pertencer a um escol iluminado. Fica registado, para os devidos efeitos.)
E quantas não são as vezes em que a escolha se afunila para os que se sabe, à partida, serem os poucos com hipótese de saldar o pleito com um triunfo? Esta estreiteza exclui outras hipóteses, algumas delas possivelmente mais meritórias, mas que se convenciona, desde o início, que não são sedutoras para um numeroso grupo dos que escolhem. Quantas vezes, neste afunilamento, a trama compõe-se de modo a punir os que corporizam o mal maior e, nessa medida, se escolhe o mal menor. Que não deixa de ser um mal. A escolha é entre medíocres, uns piores e outros nem tanto. Esta é a têmpera de gente pouco exigente na escolha – talvez por ser pouco exigente consigo mesma. 
A psicologia da aceitação da mediocridade é angustiante (menos para os que não dão conta dela). O mal menor confunde-se com solução prodigiosa, num jogo de sombras que serve para caucionar o fingimento de que o mal menor não é um mal. O olhar embacia-se com outros considerandos, tecendo-se na prioridade de combater o que é considerado o mal maior. No âmago deste raciocínio binário (em que a escolha pende entre o mal maior e o mal menor), a anestesia das mentes oculta a perceção de que o mal menor é, em todo o caso, um mal. Quem, no seu juízo inteiro, aceita escolher um mal, ainda que seja o menor? Quem assim se comporta tem a noção do mal que está a autoinfligir? Não tem. A anestesia é de tal forma potente, que a bissetriz apontada para a recusa do mal maior leva a aceitar o mal menor como sucedâneo de um bem a cumprir. Mas não passa de sucedâneo. O zénite do fingimento.
Esta podia ser uma aguarela desta terra contumaz.

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