12.2.19

O rufar dos tambores


Rosalía, “Di mi Nombre” (ao vivo em “Late Motiv”), in https://www.youtube.com/watch?v=GLWfMPPh1F8
A pulsação crescente. A impressão de que o ar estava rarefeito, como se fosse um punhal a travar a respiração. Uma certa sensação de angústia colando-se às veias frias. Do medo em contrafação, um vestígio a adejar sobre as pontas dos dedos na forma de um formigueiro inexplicável. E o rufar dos tambores. 
Primeiro, ao longe, um som quase indistinguível, um breve rumor que parecia dissipado. Depois, os tambores percutidos, selando um som que não podia ser uma miragem. À medida que o corpo se sentia trespassado, o rufar dos tambores anunciava-os mais próximos, presentes. Parecia vir em rima com a angústia que tomava proporções. Um meteórico colapso de tudo, talvez; ou apenas uma provação, para testar o sangue-frio exigível nos contratempos que ficam como cicatriz sob os vulgares relógios que se aprontam, suas testemunhas. 
Os tambores não se escondiam: não era só o rufar que entrava pelos ouvidos, matraqueando a paciência, crescendo no dorso da dor que não se exauria; os intérpretes surgiam no campo de visão, com seus fardamentos exemplares, pose seráfica, os batimentos mecânicos dos tambores impressionamente coligidos uns nos outros, as passadas marciais denotando tirocínio do exército. A jugular parecia quer saltar do seu lugar, empurrando a pele com uma percussão que parecia fotocópia do rufar dos tambores. Seria um pelotão de fuzilamento? Não podia ser. Nesta terra foi banida a pena de morte e, por conseguinte, os pelotões de fuzilamento caíram no desemprego. Que se fizesse constar, ademais, que não haveria legitimidade se um grupo de músicos (ainda que tutores de má música) se transfigurassem em bandidos a fazer de pelotão de fuzilamento. 
Os militares, indiferentes ao demais, prosseguiam no impassível troar dos tambores. Parecia que estavam mais próximos, já entraram no campo de visão há longos minutos. E, ao mesmo tempo, é como se simulassem o passo e, em vez disso, os pés estivessem atolados, apenas fingindo os passos que deixaram de dar. Seria um aviso? O rufar dos tambores acompanha o epílogo de uma história, quando alguém diz adeus à vida, ou quando a vida de alguém esteve por um fio e, de repente, recebe um balão de oxigénio. 
Depois de uma distração (a olhar para o relógio, ou porque ouviu um estampido estridente no lado contrário ao do rufar dos tambores – não tinha em memória), os instrumentistas já não estavam na rua. O rufar dos tambores cessara de ser a música de fundo. Seguiu o seu caminho. A pulsação domada. O ar reconquistando sua perícia, habilitando a respiração. A angústia esquecida. As pontas dos dedos recuperadas da letargia. E o medo que se extinguiu.

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