25.4.19

E de repente passou a ser (ainda mais) importante celebrar a liberdade?


Idles, “Danny Nedelko” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=CCDIrAmd4-k
Pano de fundo: partidos radicais de direita e partidos de extrema-direita sobem a pulso no mercado eleitoral de vários países, europeus e não só. Políticos controversos, com afirmações que são autênticos atentados aos valores consagrados pela democracia ocidental, ganham eleições e passam a governar países não irrelevantes no teatro internacional. Há o recrudescimento do extremismo ostensivo, com declarações que branqueiam a História que envergonhou a humanidade (acima de tudo) e os regimes políticos de extrema-direita. A mesma extrema-direita que parece ganhar um segundo fôlego à custa da memória de perna curta, do revisionismo histórico e da desilusão de mais e mais eleitores em relação aos partidos que têm dominado a governação.
E hoje cumprem-se quarenta a cinco anos de liberdade. Perante o pano de fundo sombrio, a cortina que desce sobre o palco onde a cidadania se exerce, a interrogação que se soergue é a seguinte: não faz ainda mais sentido celebrar a liberdade? A resposta é afirmativa. Por paradoxal que pareça: a liberdade devolvida há quarenta a cinco anos, e hoje festejada, é paradigma de um contexto idiossincrático. O regime do Estado Novo era singular. Não teve reprodução noutros países e foi um caso único de ditadura de extrema-direita (para conforto das convenções). A própria revolução de abril é estudada pela ciência política pela sua originalidade. Em cima desta constatação, o pano de fundo que dá o mote à re-celebração da liberdade não passa a prova de vida em Portugal. Até ao momento, os partidos de direita radical e de extrema-direita têm sido irrelevantes na paisagem eleitoral. Portugal tem conseguido ser um oásis no meio do tenebroso ocaso de liberdades que se promete a cada vez que um daqueles partidos ganha deputados, câmaras municipais e até mesmo eleições. 
Como se desfaz este paradoxo e explica o sentido de celebrar, ainda mais, a liberdade hasteada em 25 de abril de 1974? Primeiro, a maré do populismo e do radicalismo oferece os seus primeiros indícios com a aparição de uma personagem que não hesita em se declarar fascista se o fascismo quadrar com as ideias controversas que defende. Esta maré ameaça tornar-se uma maré-viva quando noto alguns rapazes e raparigas, que me habituei e ver nas imediações ou até no âmago do PSD e do CDS, apoiando Trump, Bolsonaro e Orbán, aplaudindo Salvini, não se incomodando quando a Frente Nacional lidera as sondagens para as eleições europeias, subscrevendo hediondas posições políticas de radicais de direita que querem ter punho de ferro quanto ao acolhimento de refugiados. Assustam-me mais estes rapazes e raparigas, que medram no potencial da turba anónima, do que Trump, Bolsonaro, Orbán, Salvini, Le Pen, Ventura & companhia. Pois estes rapazes e raparigas, que abriram o armário onde escondiam as suas ideias porque dantes elas eram vergonhosas, podem ditar a transfiguração de uma maré alta numa maré-viva, dando força a outros Trump, Bolsonaro, Orbán, Salvini, Le Pen, Ventura & companhia que só estão à espera desta fermentação.
Segundo, a radicalização de uma certa direita contribui para a normalização da esquerda radical e de uma certa extrema-esquerda, ambas com pergaminhos parlamentares, mas com duvidosas credenciais democráticas. Esta normalização já era um dado adquirido no regime político português: são forças partidárias com presença no parlamento, beneficiam da condescendência da comunicação social (o produto de um certo “esquecimento histórico”) e parece que se autoeducaram nas regras do jogo democrático. Hoje são os atores mais vocais na denúncia dos perigos inerentes ao crescimento eleitoral da direita radical e da extrema-direita. Apresentam-se como tutores maiores dos valores democráticos que podem capitular perante a emergência daquelas direitas. Suplantam os partidos centrais e moderados na defesa destes valores. Este novo episódio de normalização da esquerda radical e da extrema-esquerda é uma consequência da radicalização à direita. 
Corremos o risco de os partidos moderados se tornarem marginais no sistema político, sobretudo se os partidos de centro-direita e de centro-esquerda incorporarem na sua retórica (por mero jogo oportunista) algumas das ideias que são património genético da direita radical e da extrema-esquerda, respetivamente. E é também por isto que faz ainda mais sentido celebrar, e com toda a efusividade possível, o quadragésimo quinto aniversário da revolução de abril.

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