Rosalía, “De Aquí no Sales (Cap. 4: Disputa)”, in https://www.youtube.com/watch?v=vy4lZs8fVRQ
Para não medrar no arrependimento – esse monumento à estultícia – não podem as pessoas desaproveitar oportunidades que caiam em seu amparo. O que exige, em primeiro lugar, que se saiba o que é uma oportunidade. A oportunidade não traz cartaz a tiracolo anunciando-se como tal. Cabe às pessoas serem os próprios detetives de oportunidades. Cabe-lhes a lucidez de saberem distinguir uma oportunidade de um engodo, que se reduz a um dececionante nada.
Inventariada a oportunidade, é preciso saber como a agarrar. As oportunidades, não tendo rosto, podem ser um caso de difícil atração. Não são como as moscas que invadem o espaço aéreo e transportam incómodo, visível como esbracejamos para as afugentar. Ao contrário, as oportunidades são aqueles insetos metafóricos que gostaríamos que aterrassem em nosso corpo e que nele se embebessem. Pois não é suficiente a oportunidade escolher-nos como seu hospedeiro; temos que dar um contributo, não podemos ser um agente passivo da interação: é neste momento que se equaciona o agarrar da oportunidade.
Nesta arte, como em todas as artes, é exigível a destreza do ator que pretende agarrar uma oportunidade. Em alguns casos, a destreza pode nem ser precisa, se o dom for tão intenso que um gesto simples como o aterrar da oportunidade logo a consubstancia num tangível. Para a maioria das pessoas, porém, a passividade é garantia de não aproveitamento da oportunidade. Que tão depressa pousa no ombro como se faz ao voo outra vez, num indiferente bater de asas ao sentir que nada foi feito para ser agarrada (a oportunidade).
(Pode dar-se o caso de a passividade ser intencional. A pessoa dá conta da oportunidade, mas, por razões que não importa apurar – porque apenas a ela dizem respeito –, deixa a oportunidade zarpar noutra direção. Não querer agarrar a oportunidade não é sinónimo de a desperdiçar.)
A quem esteja interessado em agarrar uma oportunidade, o conselho do curso breve: deve começar por apurar a lucidez, o critério para filtrar o que são oportunidades e meros ardis que apenas fazem perder tempo e inflacionam as ilusões; deve estimar se a oportunidade é conveniente no momento considerado (podem as circunstâncias jogar em sentido adverso); preenchidas estas condições, deve habilitar os sentidos para agarrar a oportunidade com todo o cuidado. Não deverá ser um gesto brusco, sob pena de magoar a oportunidade e de a inutilizar. Aconselha-se a mesma gentileza de gestos, a mesma sensibilidade, que um caçador de borboletas usa na sua função.
Desaconselha-se vivamente, na hipótese de a argúcia não ter sido capaz e a oportunidade não tenha sido agarrada, a utilização de uma armadilha para apanhar a oportunidade durante o voo de fuga. As oportunidades ficam inutilizadas quando são agarradas contra a sua vontade.
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