Nine Inch Nails, “The Perfect Drug”, in https://www.youtube.com/watch?v=dn3j6-yQKWQ
Preâmbulo do decreto-lei
No âmbito das competências do governo, previstas e punidas na Constituição da República Portuguesa, e com a cobertura da legitimidade inflacionada outorgada ao primeiro-ministro, com o beneplácito de sua excelência o senhor presidente da república e caução dos demais órgãos de soberania, ouvido o povo e os demais agentes envolvidos no Conselho de Concertação Social, e pedido parecer à Comissão Europeia, rege o presente decreto-lei sobre o fim do pessimismo. O governo considera crucial que o povo emirja num banho de otimismo, sendo necessário, como pré-requisito, que todos os fundamentos do pessimismo sejam obliterados e condenados ao oblívio. A nação portuguesa não pode continuar a medrar num pessimismo latente que encontra grande parte das suas fundações no derrotismo histórico, na miragem de sebastianismos espúrios e no fatalismo tão bem cantado por sucessivas gestas de fadistas. O governo, ciente da sua presciência e da elevada qualidade da governação que tem legado aos concidadãos, tem uma missão prioritária para os anos vindouros, nomeadamente para a parte sobrante da legislatura, e para as restantes legislaturas enquanto o governo for do atual partido político, que é estilhaçar os esteios que sobejam do pessimismo. No âmbito desta missão, decretar-se-á, com efeitos vinculativos, o fim do pessimismo no prazo estipulado pelo decreto-lei, para, desse modo, franquear as fronteiras ao otimismo que deve passar a fazer parte do código genético da portugalidade.
Artigo 1.º
1. Fica, por efeito do presente decreto-lei, avisado o pessimismo que o seu prazo de validade se extingue no dia 30 de setembro de 2019 (prazo previsto para o fim da legislatura).
2. Se, por circunstâncias inesperadas, a legislatura se esgotar antes da data prevista no número anterior, o fim do pessimismo coincidirá com a data das eleições antecipadas (se essa for a decisão de sua excelência, o senhor presidente da república) e se, em resultado das mesmas, o governo continuar a ser presidido pelo atual primeiro-ministro.
3. Os meirinhos do pessimismo são convidados a alterar o comportamento, esquecendo as fontes que alimentam o pessimismo, ou a emigrar para país onde o pessimismo permanece como fonte desvital.
Artigo 2.º
1. Os agentes do pessimismo que forem detetados em práticas contrárias ao estipulado pelo presente decreto-lei a partir do dia 1 de outubro de 2019 (ou de data definida pelo número 2, do artigo 1.º deste decreto-lei) ficarão à mercê da ação fiscalizadora da nova secretaria de Estado do combate ao pessimismo, a instituir em diploma gémeo do presente decreto-lei, e de cominação nos termos previstos nas alíneas a) a c) do número 2, do artigo 4.º deste diploma.
2. Os cidadãos submetidos à ação fiscalizadora dos peritos nomeados pela secretaria de Estado do combate ao pessimismo têm direito a apresentar contestação, nos cinco dias úteis seguintes ao auto de notificação, junto do gabinete do primeiro-ministro.
3. A contestação, devidamente fundamentada, suspende o processo de contraordenação instaurado na sequência da notificação da acusação de delapidação do otimismo.
4. Na contestação mencionada no número anterior, cabe ao cidadão potencialmente infrator apresentar provas indubitáveis do seu não pessimismo.
5. A decisão do gabinete do primeiro-ministro deve ser comunicada ao apelante no prazo máximo de trinta dias úteis.
6. A decisão do gabinete do primeiro-ministro pode determinar a continuação do processo de contraordenação ou o seu arquivamento.
7. A decisão do gabinete do primeiro-ministro é irrecorrível.
Artigo 3.º
1. Na pendência do processo de contraordenação, um jurista nomeado pela secretaria de Estado do combate ao pessimismo recolhe as declarações do arguido, que não pode ser representado por mandatário legalmente constituído.
2. O jurista-instrutor do processo de contraordenação pode recolher os meios de prova que julgar necessários, incluindo os que forem obtidos através da perscrutação de contas de correio eletrónico do arguido e da sua participação nas diversas redes sociais, em derrogação, excecional, dos princípios jurídicos estabelecidos pela Lei Geral de Proteção de Dados.
3. Ao arguido é concedida a faculdade de formalizar um pedido de indulto após o encerramento da prova testemunhal e documental, em requerimento, devidamente fundamentado, submetido ao gabinete do primeiro-ministro.
4. A aceitação do pedido de indulto e sua tramitação pelo gabinete do primeiro-ministro é competência exclusiva do instrutor-jurista, que deve aplicar um sentido apurado de justiça e regras de bom-senso para corresponder ao pedido formulado pelo arguido.
5. Sendo aceite o pedido de indulto, o processo de contraordenação fica suspenso.
6. O pedido de indulto tem de ser apreciado no prazo de trinta dias úteis, sendo a decisão do gabinete do primeiro-ministro irrecorrível.
Artigo 4.º
1. No termo do processo de contraordenação, o jurista-instrutor pode propor:
a) a culpa do arguido;
b) a culpa parcial do arguido, detalhando as circunstâncias atenuantes;
c) a impossibilidade de determinar categoricamente a culpa do arguido, enfatizando a existência de indícios que apontam nesse sentido;
d) a ilibação do arguido.
2. Atendendo às conclusões do processo de contraordenação, o jurista-instrutor deve propor, ao gabinete do primeiro-ministro, as seguintes consequências normativo-punitivas, em correspondência com as alíneas a) a d) do número anterior:
a) suspensão, não superior a cinco anos, dos direitos cívicos do arguido, acompanhada por um processo de reeducação compulsório na escola superior do otimismo; para casos de insubordinação mais grave, a retirada de direitos cívicos e a expulsão do país poderão ser determinadas pelo gabinete do primeiro-ministro, na sequência de proposta fundamentada do instrutor-jurista;
b) suspensão, até a um ano, dos direitos cívicos do arguido, acompanhada pela obrigação de submeter um texto escrito, até seis meses após a notificação da decisão do processo de contraordenação, com um mínimo de dez mil palavras, contendo um descritivo devidamente fundamentado de como Portugal é um oásis onde apenas o otimismo tem cabimento;
c) fiscalização do arguido, durante cinco anos a contar da data da notificação da decisão do processo de contraordenação, sendo todas as suas intervenções públicas, em redes sociais e em conversas privadas, devidamente monitorizadas por técnico nomeado pela secretaria de Estado do combate ao pessimismo, em derrogação, excecional, da Lei Geral de Proteção de Dados, para verificar se são confirmadas as suspeitas de desvio em relação ao otimismo obrigatório;
d) o arquivamento do processo de contraordenação, ficando o arguido registado numa base de dados de potenciais desviantes do otimismo decretado pelo governo.
Artigo 5.º
1. O governo institui a escola superior do otimismo, que ficará encarregue de formar técnicos habilitados a identificar rudimentos de pessimismo e a reeducar, no otimismo obrigatório, os cidadãos que infrinjam o disposto no presente decreto-lei.
2. Todos os alunos em idade escolar passarão a ter uma unidade curricular obrigatória, com carga letiva semanal de três horas, que ensinará a combater o pessimismo (próprio e a denunciar o alheio), a aprender os rudimentos do otimismo e a divulgá-lo.
3. Os cidadãos adultos serão sorteados, em modalidade a definir por decreto-regulamentar, para frequentar um curso de aperfeiçoamento de combate e denúncia do pessimismo, seguido de um módulo intensivo de aprendizagem do otimismo.
4. A frequência de ambos os cursos é obrigatória, para todos os cidadãos civicamente ativos, com uma periodicidade de três anos.
Artigo 6.º
Número único. O presente decreto-lei entra em vigor no dia 1 de outubro de 2019.
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