Cocteau Twins, “Pearly Dewdrops’ Drops”, in https://www.youtube.com/watch?v=s-5Xgw6d3h0
Já tinha ouvido falar do fim do mundo – e não era de apocalipses que se tratava, que não desvia a atenção para imprecações tais. O fim do mundo. Teria de ser em algum lugar, imaginava, sem dar crédito aos mapas que identificam a contiguidade do mundo, o que desmentia a ideia do fim do mundo. Não cuidava de defender a teoria do mundo plano – que ficasse bem entendido. Não era incompatível reconhecer o planisfério e um lugar que fosse o fim do mundo. Não procurou desalmadamente os vestígios de uma cartografia que desse as pistas para o fim do mundo. Um dia, ao acaso, encontrou o Cabo do Mundo. Saiu do carro e meteu-se à aventura nas escarpas pedregosas. Teve todo o cuidado, pois os limos e os musgos e os moluscos atapetavam as rochas à medida que o cabo se adelgaçava no território do mar. Era um pedaço de terra que investiu sobre o mar, ganhando-lhe uma unha proeminente. Também se podia dizer – perorou à medida que avançava para o miradouro natural na extremidade do cabo – que fosse ao contrário: o mar avançou terra dentro, mas aquele pedaço resistiu à colonização do mar. Não interessava a ordem dos fatores. Às vezes, as teorias são estéreis matérias que apenas servem para distrair do essencial. Demorou quase meia hora até sentir que no horizonte do olhar apenas sobejava o mar imenso. Nas suas costas estava cunhada a terra de que ele era o derradeiro curador. Sentiu-se testa-de-ferro da humanidade, que sabe ter na terra o seu elemento natural. O mar, por mais que tivesse sido navegado, não era o elemento natural do homem. Não é misericordioso, o mar. Sentado como penhor da terra, como se fosse o seu peito a muralha de uma barragem que trava o avanço do mar, não intuiu a admiração de poetas pelo mar – como podia o mar iracundo ser o pressentimento de um poema? Combatia o impulso interior de contemplar o mar e deixar a terra, nas suas costas, entregue ao olvido. Por mais que não quisesse, estava rendido. O olhar percorreu demoradamente o horizonte, onde só o mar tinha lugar. Era mesmo o fim do mundo, aquele sítio. A terra sumira-se nas profundezas do mar.
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