5.7.19

Fundação da Esperança


Idles, Colossus (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=35NtjSFsMnI
Não sabia se era pueril invocar uma centelha que se despenha vertiginosamente sobre o porvir. Foi com esse ânimo que fundou a Fundação da Esperança. Uma pulsão incontida no peito que apetecia lavrar em ata, deixando para as gerações presentes um testemunho de regozijo pelo futuro que espreita no ocaso do dia presente.
Epicurista, talvez. Sabia que a tela onde desfila o presente, com âncora já dardejada para o futuro (que começa logo amanhã – convém não esquecer), era o esteio para o ceticismo militante de muitos. Com este pano de fundo, havia lugar a uma Fundação da Esperança? A pergunta não deixou de ecoar repetidas vezes antes de decidir avançar com a Fundação. A interrogação era, afinal, o substrato primeiro da Fundação da Esperança. Ele também dava o flanco e amiúde situava-se na trincheira dos céticos. O mundo é como é. Às vezes, estar na trincheira dos céticos não é uma capitulação. Nem contraditório com o espírito da Fundação da Esperança. Se estivesse sempre derrotado perante as circunstâncias do mau mundo, é que seria capitular. Se não tivesse encontrado forças para ser o fundador da Fundação da Esperança, é que seria desacreditar nos amanhãs que vêm a seguir. De outro modo, os amanhãs já estão feitos na macilenta cor do presente.
Ou então, seria apenas ingénuo. Ajoelhado perante todas as ignomínias de que o mundo é pródigo, com a estreiteza dos corredores mentais por onde segue a desmemória e a ocultação da História, a infâmia disfarçada de messianismo, a boçalidade reinante, a desconfiança como refúgio contra tudo isto que vem no dorso do mundo, a mitomania compulsiva que desacerta a bússola – deposto perante este rosto taciturno do mundo, faria sentido a Fundação da Esperança? Considerou que o retrato do presente era o móbil para a Fundação da Esperança. Não podemos fugir do tempo presente. Mas podemos contagiar o tempo vindouro com uma sementeira de esperança, para ultrapassar os contratempos que medram em todos os hoje que ateiam a fogueira onde apetece muita coisa incensar. Era o antónimo de ingenuidade. Um golpe de asa sobre as arcadas onde o tempo futuro está à espera.
A Fundação da Esperança não seria um lugar para todos. Não haveria lugar para os céticos que não encontram em si um módico de esperança.  Nem para os otimistas incorrigíveis, os perenemente bem-dispostos, com aquela alegria tão contagiante que soa a disfarce, ou a esconderijo de si mesmos. A esperança que os amanhãs funcionem no verso da diferença, e que esse seja um verso escrupuloso com a vertigem da mudança que mereça a diferença, não tolera uma embriaguez de esperança. Os perenemente embriagados de esperança perdem a medida das coisas. São os apóstolos de uma distopia. 

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