16.7.19

Vinil (ou: sobre a inutilidade do revivalismo)


Sean Riley & the Slowriders, “Intro: Flying Back”, in https://www.youtube.com/watch?v=LC29_fq05yY
A música é fermento recorrente de revivalismos. Às vezes, uma banda que se julgava extinta reúne-se para um punhado de concertos. Outras vezes, a banda de antanho nunca deixou de existir, mas deixou de comparecer em palco com a frequência de outrora e a veia criativa deixou de singrar ao ponto de não ser conhecida música nova há umas décadas. 
Quando uma banda dos outros tempos anuncia o regresso ao palco, agiganta-se uma onda de revivalismo. Os nostálgicos marcam presença, numa fidelidade acrítica. Quando uma banda dos outros tempos é convocada para um festival de música, coexistindo no cartaz com outras bandas contemporâneas, nota-se um interessante fenómeno. No recinto, coabita um público de diferentes gerações. Os mais novos estão atualizados com a música moderna, mas talvez não estejam ao corrente do catálogo da banda dos outros tempos. Os mais velhos dizem presente pelas exigências de fidelidade (e pelo apelo de nostalgia) à banda dos outros tempos. Em regra, estes públicos dividem-se, sem se tratar de um espartilho hermético, com os mais velhos no palco onde atua a banda dos outros tempos e os mais novos ausentes, à espera de um músico que seja destes tempos (ou a assistir a um concerto noutro palco). 
Os mais velhos limpam a poeira acumulada nas memórias e conservam-se conhecedores íntegros do repertório da banda dos outros tempos. Recuperam indumentária a preceito, que, entretanto, deixaram de usar porque os imperativos da responsabilidade, e um certo sentido de madurez, não quadram com a irreverência de outrora. É a ocasião para recuar no tempo, como se fosse possível trazê-lo de volta pela mão da música que ouviam na juventude e que agora retomam (música e a reminiscência da juventude) graças aos favores da banda dos outros tempos. Voltam atrás no tempo, público e banda. Uma música ressoa a uma recordação, outra música convoca uma outra lembrança e, por conjunto, é como se conseguissem mandar o relógio para as trevas onde estão registadas as memórias. Como se revivessem esse tempo, graças à música contemporânea desse tempo.
Na minha cinquentenária condição, não me revejo no acrisolado estertor dos meus contemporâneos (ou por volta disso, alguns uns passos para trás, e outros uns passos para a frente). Recuso-me a admitir que o tempo parou na exata medida da falta de atualização de conhecimentos sobre o que vai sendo publicado no mercado musical. Prefiro, mil vezes, ouvir música que se produz agora e ver concertos de bandas destes tempos. Não recuso um concerto de uma banda dos outros tempos, se tiver boas razões para considerar que o concerto não vai ser um fiasco. 
(Já tive más experiências no registo de bandas dos outros tempos que regressam do mutismo. Não é por essa razão que recuso o revivalismo, pois a deceção não teve outros efeitos se não os próprios de uma deceção; os efeitos secundários podem ser dolorosos para os intensamente nostálgicos, a menos que a sede de revivalismo seja tanta que, por ela turvados, nem dão conta da mediocridade da performance e de como os artistas arrastam em palco a sua decadência.)
Mete-me impressão (má impressão) que haja quem intua o resgate do tempo, mercê das memórias recuperadas no regaço da música que voltam a ouvir e ver em palco. O tempo avança. Não fica enquistado (entre outros aspetos) na música que perdeu foros de atualização. 
Paradoxalmente, noto nesta pulsão nostálgica de cinquentenários (ou aproximados, por defeito ou excesso) uma certa ironia imberbe.

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