11.7.19

E terminas o texto com o título do texto



Björk, “Crystalline” (Omar Souleyman Remix), in https://www.youtube.com/watch?v=ypfOCg4oqbc
A conversa estava difícil. Convencionou-se que tinha de haver conversa, mas estava um cabo dos trabalhos arranjar um assunto. Alguém tinha de dar o mote. Uma mudez intranquila açambarcava as palavras, tingindo os ecos do silêncio.
Mas alguém tinha de dar o mote. Podia ser sobre a canícula que, até que enfim (para os adoradores de temperaturas exóticas), se fazia anunciar. Podia ser sobre um tema qualquer da atualidade – mas ninguém estava ao corrente da atualidade ou, se estava, não garantiu que os temas da atualidade, lidos nos jornais diários, eram credores de comentário. Podia ser sobre uma dúvida existencial – mas estava muito calor para torturar o pensamento com pensamentos exacerbados e ontológicos. Podia ser sobre a moda, ou o desporto, ou um escândalo que sobressalta os meios sociais, ou a corrupção, ou as manobras que se congeminam em antevéspera larga de campanha eleitoral, ou um filme. Nada disto era atrativo. E a conversa continuava postergada, todos ali juntos e reféns de um silêncio aflitivo.
Se o silêncio era um constrangimento, por que motivo um deles não inaugurava a conversa? Não seria por temerem que a conversa podia ser enfadonha, nem por não se conhecerem de lado algum. A páginas tantas, o silêncio era tão punitivo que a conversa, por mais opressiva que fosse, seria o mal menor. A conversa continuava em procrastinação porque nenhum deles sabia do mote. Disfarçavam o embaraço: um, projetando o olhar para o horizonte, como se o olhar estivesse propositadamente perdido na vastidão onde se encerra o horizonte; outro, refugiava-se no telemóvel, um refúgio larvar de quem se enfeuda num ecrã afinal vazio de conteúdo; outro, batia o pé ritmadamente e rodava os dedos polegares que se entrecortavam; outro, sentado, enfiava a cabeça entre os joelhos, sem se saber se fora por uma noite mal dormida ou por não ter posição para fingir o embaraço do silêncio persistente; e outro estava junto da janela a apreciar o movimento da rua apressada.
Na sala de espera, o silêncio foi derrotado. A funcionária de turno irrompeu pela sala, com a imponência do seu farto porte, e acendeu a televisão. Não perguntou se queriam ver televisão. Os outros ficaram a salvo. Já nenhum tinha de dar o mote para a conversa. Podiam deixar o título do texto para o seu final. O texto, que se esgotava no seu título – na exata medida do silêncio imperador.

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