Iggy Pop and the Stooges, “I Wanna Be Your Dog” (live in Sydney), in https://www.youtube.com/watch?v=m9xIm7Owyso
De que serve olhar para o cemitério?
A bruma que aplaca o entardecer tece um aviso sobre os imponderáveis, apenas da possibilidade de existirem, pois, sendo imponderáveis, não cabem dentro das previsões. São as linhas tortas por onde se escrevem as palavras porventura indizíveis, ou apenas as insinceras proclamações que sobem a um palco com a soberba própria da vaidade infundamentada. Há uma legião inteira de sonhadores, inconfessados sonhadores, que se imaginam maiores do que a sua estatura. Tossicam entre as palavras arrevesadas, o tossicar como se fossem vírgulas que distanciam as palavras para serem devidamente escutadas. Quem os ouve não sabe se contam a verdade. Talvez não seja relevante. Se vingar a ideia de que somos meros atores em palcos que se desmultiplicam na azáfama do fingimento, a fundamentação do que é verdade e do seu oposto desce à divisão da desimportância.
Pode acontecer que estejamos todos a falar uns com os outros e ninguém dê atenção às palavras assim ditas. Falamos na surdez da nossa desatenção. Possivelmente, só contam as palavras de quem as diz, num discurso elíptico em que as palavras são ditas pela necessidade de quem as diz as poder ouvir. Funcionamos como ilhas angustiadas porque todos sabemos do sentido único das palavras, das palavras mudas aos ouvidos dos outros. As maravilhas da tecnologia ditaram a possibilidade de todos nos fazermos ouvir, ou ler; é quando, iludidos pela falaz democratização da palavra, damos conta que a abundância é o punhal que compromete essa democratização. Estamos cada vez mais sozinhos no imenso palco, maior do que a dimensão do mundo, que se nos é oferecido. Quando fugimos à verdade, mentimos a nós mesmos. Improcedemo-nos.
É esta ambiguidade: as promessas de grandiosidade, a repetibilidade dos “cinco minutos de fama”, esvaziam-se no forno onde se incinera a nossa improcedência, na adulteração do que dizemos e de como é imensa a distância entre o dito e o contido na fala. Crescemos a olhos vistos, mas apenas dentro do espelho interno por onde medimos o nosso tamanho. Todavia, não é dramático, este estado de coisas. Nada mudou. Apenas se tiram as medidas ao logro que foi a promessa de que cada um podia ser o protagonista que, no fiel da balança devidamente atestada, nunca poderia ser.
Assim sendo, não se pode determinar que somos – ou fomos – improcedentes. Foram vãs as promessas da nossa relevância e nunca chegámos a sondar os contrafortes da procedência.
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