10.7.19

Match-point (short stories #128)


Propellerheads ft. Miss Shirley Bassey, “History Repeating”, in https://www.youtube.com/watch?v=yzLT6_TQmq8
          O que podiam contar os moinhos dispostos na paisagem? Não seria preciso chegar aos embaraços que travam a voz gutural do vento. Os moinhos recebem em suas pás o muito vento antecedente que vem carregado de vidas. As vidas de todas as pessoas que se expõem ao vento. E o vento, agente que testemunha as vidas tão díspares, transfigura-se em repositório de todas as vulnerabilidades, das angústias, das alegrias emolduradas, das promessas, dos fracassos, das incompreensões, dos feitos para os quais não há orgulho como medida capaz. O vento que os moinhos recebem é um pouco de tudo isso, uma constelação raiada com as cores todas do arco-íris como se da variegada textura das pessoas se tratasse. Os moinhos comungam-na com o vento. As pás vogam furiosamente quando um vento destemperado vem dominado por estados de alma iracundos, merecidamente iracundos, talvez produto de injustiças injustificadas. (Como são todas as justiças, já o sabiam os moinhos.) Outras vezes, os moinhos parecem o chão aveludado de um mar precoce, o pressentimento de um sossego que merecia ser semente perene. Na maior parte das vezes, não é clara a definição dos ventos. Não havia uma manga de vento que apurasse o quadrante de onde se acende o vento; se houvesse, na maior parte das vezes seria uma manga de vento evasiva, sem se perceber o vento dominante. É nessas alturas que o empate persistente é apalavrado. Inseguros, os moinhos decaem numa hesitação que os consome. (E, afinal, que não se consome no altar das hesitações?) Ficam reféns dos empates em que se agiganta a variedade que é o néctar sublime da humanidade. Os moinhos acabavam por não se importar de estarem sitiados por ventos erráticos. Consideravam a dissemelhança um bálsamo ímpar. Quando era preciso desempatar, os moinhos tomavam o match-pointnas mãos. Decidiam. Sem apelo. Os vultos conservadores sempre justificaram a “ordem natural das coisas”. (O que isso seja, na sua vaga definição.) Se soubessem dos moinhos e de como decidem os match-points, ninguém os calava.

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