12.7.19

O risco do risco


Andrew Bird, “Manifest”, in https://www.youtube.com/watch?v=mcPDgWMkEiM
- O que pensas do risco?
- Não o tomo como medicina.
- Nunca foste seduzido pelo risco?
- Uma ou outra vez, em casos limite, ou quando não estava na posse de todas as minhas faculdades. Não deve ter sido importante. Mal me lembro.
- Eu só lamento que seja tão arriscado cair no risco.
- É um jogo. Podes descontar o risco quando sentes a pulsão de nele cair. Depende das prioridades e da hierarquia de valores.
- É um punhal afiado que ameaça ir fundo à carne. O sangue vertido não volta para as veias.
- Nesse caso, convém fazeres os cálculos com precisão. Receias as dores pungentes que podem resultar de um risco mal calculado. Na tua hierarquia, a segurança e a certeza sobrepõem-se ao risco.
- Não tenho a certeza. Há dias em que acordo com uma terrível vontade da irreverência. Uma vontade de desmontar tudo, desde os alicerces. Depois, acalmo. Termino o dia e faço um saldo modesto. O dia termina como começou. O risco foi omitido.
- E sentes arrependimento?
- É uma sensação estranha. Sinto algum desagrado a tomar conta de mim, só pode ser por ter sido timorato e não ter caucionado o risco. Ao mesmo tempo, sinto a incógnita a pesar sobre o palco onde se sopesam as hipóteses.
- Porventura calculas mal o que é o risco. Serás muito exigente contigo mesmo. A insatisfação com o presente pode não representar um malogro do que és, do que andaste para aqui chegar. Tens de interpretar todas as variáveis. 
- Não tenho particular orgulho do que me possa ser atribuído como proeza. Deixo isso para o exterior de mim. Tudo o que deixei para trás é um inerte, só conta como história. Não garante nada no tempo presente.
- Como compulsas isso com o risco?
- A convocatória para a mudança – pequena ou grande, não importa – exige algum risco. Não sabemos dos humores do futuro. Aos que são hostis ao risco, convém não perturbar o estado atual das coisas. O risco é retirado da equação.
- Não necessariamente: podes mudar sem tocar no rosto do risco. O mais difícil é aceitar uma mudança que interiorize a modéstia. O problema é que estamos formatados para a mudança significar sempre ousadia. 
- Admitias essa possibilidade?
- Não fui eu que tergiversei perante o risco do risco. Não fui eu que admiti o descontentamento com o estado atual das coisas. 
- O problema do risco não se coloca?
- Coloca-se a todos. Podemos ser arrastados para o dilema do risco sem ser através de uma mudança de vida. Essa é uma análise monotemática. O risco tem muitos gradientes. Serve-se em palcos diferentes. É sujeita-se ao ângulo da subjetividade: pessoas diferentes têm diferentes grelhas para medir o risco e em que medida ele comporta um risco que transpõe a fronteira do aceitável.
- Estás a desvalorizar o risco.
- O simples ato de viver é um risco. O que faz com que o risco seja mundano. 

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