9.10.19

Contra a auréola da melancolia


Tindersticks, “The Amputees”, in https://www.youtube.com/watch?v=mnQYweo4O2U
(Aos abandonados pela memória)
Não colhas as exsudadas pétalas das ruínas em que se entretecem os prantos. O silêncio da paisagem devastada não deixou testemunhas. E mesmo que deixasse: a piedade que se joga pelos seus comissários só aproveita a quem através dela se expia. Quanto ao resto, as ruínas que soçobram sobre o teu dorso doído pesam o equivalente a muitas toneladas, não é de esperar que sejam uma cura para maleita alguma. Desfaz-te dessas ruínas que talham a memória com o bolor de um ermo tugúrio. 
Não deixes os tentáculos da melancolia fazerem do teu perímetro uma cerca sem acesso. Os proveitos são desconhecidos. E não são as preces que caucionam a redenção dos sobressaltos que julgas contínuos. Eles não são uma continuidade. São intervalos que se oferecem contra a prestidigitação dos sentidos, uma anomalia que não teria aval se não fosse a possibilidade de atirar o olhar para o exterior de vários axiomas. 
Não te empenhes na nudez dos espíritos assombrados. Os julgamentos sumários não devem existir e, muito menos, devem partir da tua própria impiedade. Os mosaicos compõem-se quando o olhar distanciado, adestrado num sinédrio frio e justo, se justapõe num todo que nada deve à coerência. Mas não te empenhes à coerência; a coerência é uma espada excruciante que diminui a existência, deixa-a para a altura em que já não resiste à sua própria inércia. Não contemples as vestes sacrificiais na pedra preciosa que te entroniza. Da mesma forma que dispensas tronos, hás de recusar sacrifícios em nome dos outros. 
(E das pedras preciosas não há notícia dos mercados.)
Não capitules ao sincretismo dos palcos. Sobe a uma montanha, onde tenhas em ti os trezentos e sessenta graus de um olhar sem restrições. Dispara todas as interrogações que te asfixiam. Não esperes respostas, que não são os ventos que prestigiam essa quimera. Não esperes respostas. Saber-te-ás completa se puseres em ordem as interrogações que te amputam o raciocínio. Não te tornes, contudo, penhor das interrogações sucessivas, para prevenires que elas te subjuguem. 
Não queiras mais melancolia. Não queiras melancolia alguma. A não ser aquela que, sem saberes de onde provém (talvez de um punhado de pesadelos malsucedidos), te assalta numa manhã avulsa.

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