Kristin Hersh, “Your Ghost”, in https://www.youtube.com/watch?v=ZfW4-nP2G1Q
Um corredor ao fundo, as paredes alveoladas, frias na sua imaterialidade: depois do corredor, ao fundo, que paisagem sobressairá? Até lá – e o caminho não é longo – o tempo ainda sobra para arrumar umas ideias. As que vierem no regaço da rede retirada à mare que albergar o pensamento. Porventura, alguns pensamentos repetidos – ou o assunto insistido, tentando encontrar outro ângulo para o caucionar. É mais difícil arregimentar a originalidade. Poderá o pensamento estar acantonado numa avenida estreita, com um corredor de fundo que impede o seu transbordar? Pode ser do adestramento do olhar. Hábitos feitos, consumados, de que é difícil prescindir. Arrasta o passo, que o corredor ao fundo está a crescer no firmamento e ainda tem umas pendências a tiracolo. As abóbadas empenhadas no estertor das almas exangues ilustram as cores baças da fartura. Pronunciam-se os apóstolos do descapitalismo: impõe-se um plano geral de desinvestimento; impõe-se convencer as pessoas a renunciarem aos prazeres que julgam obter à mercê da viciação material. É preciso de um despojamento planetário, a nudez em forma de regresso às origens. Como se todos a tudo renunciássemos e as posses fossem fundidas num indistinto lixo cósmico, enviado por shuttle para o espaço sideral. De acordo com os apóstolos, esta é uma nudez igualitária. Sem preconceitos estéticos. Sem pressentimentos escatológicos. É como se, ao fundo do corredor, estivessem todos os habitantes do mundo perfilados, sem vergonha da sua nudez. Interioriza o oráculo: como pode uma nudez assim repor a zero o conta-quilómetros do desejo? Como podem as pessoas posar no retrato gigantesco da espécie, numa fila que não é interminável porque a espécie não é infinita, e não serem tomadas de assalto pela luxúria? Não ficou convencido com o plano geral de desinvestimento e com a nudez consequente. Não afastou a hipótese de não conseguir entender a linguagem possivelmente metafórica do plano geral de desinvestimento. Nunca fora a sua especialidade, a lucidez das metáforas. Pelo sim, pelo não, preferia continuar capitalista e capitalizar os frutos deslumbrantes do desejo.
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