6.3.20

Constelação (short stories #200)


Iggy Pop, “We Are the People”, in https://www.youtube.com/watch?v=Yd7Pughcb_4
          Dizia: como gostava de ser divertido. Dizia, com alguma mágoa à mistura. Uma mágoa, todavia, improcedente. Ao ir ao fundo da questão, veria que a angústia levianamente formulada ecoava a impressão de que são os outros que servem de estalão para a nossa medida. Era um julgamento errado. Só por obediência ao teorema da socialização forçada é que alguém se julga através do julgamento dos outros. Só num tempo em não é aceitável a dissidência do teorema do pensamento coletivo é que medram as angústias por alguém ser malquisto pelos outros. Mas estes são os tempos em que nos movemos – interiorizava. São os tempos em que se ensaia uma certa frivolidade, erguendo-se ao olimpo dos valores alguns que seriam despromovidos se outro fosse o farol usado, menos frívolo. Voltava à casa da partida, quando se angustiou por sentir que não era divertido, nem conseguia sê-lo: interessava ser divertido para agradar aos outros se, ao sê-lo, se adulterasse? Começou a dissolver os rudimentos da angústia que irromperam com a formulação do desejo inicial. As pessoas são a sua natureza. Já são suficientes as instâncias de capitulação, quando são interpeladas, em nome da necessária socialização, a refrear palavras ou a temperar comportamentos, ou a um certo fingimento. Porventura sentira que as pessoas que são divertidas ganham uma popularidade que ele nunca conhecera. E por que queria conhecê-la agora, depois destes anos todos? Era agora, depois destes anos todos, que ia adulterar o seu eu? Não agradava a circunstância de ter de se forjar num fingimento mercê das exigências vindas do exterior. Já bastam os casos em que a moderação do eu tem de vir à tona, sob pena de arrostar com o impropério da misantropia ou até da sociopatia. Voltou à casa da partida, outra vez. Este era o eu que era ele. Afinal, não queria saber ser divertido. Queria só ser como era. Uma constelação que já era.

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