Glockenwise, “Dores”, in https://www.youtube.com/watch?v=iCycx1YnPiE
Quarentena, ao que parece, até do pensamento. Ou o pensamento dedicado à pandemia que o exaure. Alguém disse: “o melhor destes tempos insólitos é pessoas em quarentena, a solidão que se avizinha das ruas.” Outro contrapôs: “é uma quarentena relativa. Hoje, o mundo é virtual e a quarentena também. Não há isolamento. A quarentena consome-se num paradoxo: retira as pessoas da rua, mas atira-as para o espaço virtual com uma voracidade singular. É aí que medra o pior dos vírus, uma densidade populacional acima das medidas.” Sente-se a oxidação dos lugares; é uma aparência: oxidadas estão as pessoas por terem sido desensinadas a ser animais caseiros. O asnear por metro quadrado subiu em proporções não imagináveis. A geografia reinventou-se: o ar livre faz jus ao nome, tirou a sua alforria dos humanos que deixaram de o infestar. Os temores das piores distopias parecem confirmar-se. Estão nos modos das pessoas, das que se anteciparam ao princípio geral de pânico por força de decreto e das que gostariam que se antecipasse uma versão mais musculada da exceção como metamorfose do habitual. Sartre veio a ter razão, muito tempo depois: “o inferno são os outros”. Atribua-se a responsabilidade aos visionários que inventaram o mundo virtual que se sobrepõe, numa escala elevada a muitas potências, ao mundo outro. “O inferno são os outros” é o epítome de outro ilogismo: quando os outros estão a tanta distância, tornam-se ainda mais insuportáveis. A fórmula para o ar pútrido que por aí campeia (na inversa medida do ar mais respirável da rua), é a incorrigível sanha de moralidade que uns quantos oferecem, em desmedida generosidade, aos tresmalhados das convenções. Há lugares desertos que deviam povoar o lugar virtual (como há desertos na Terra). Como redutos de sanidade (mental), válvulas de escape à contrafação que se propaga mais depressa do que a pandemia. Termos em que, sob protesto contra as costuras do ancho mundo virtual, reproduzo as palavras da música que não saem da cabeça: “tenho os olhos no sítio certo”. (Assim me é dado a perceber.)
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