9.3.20

Atrás da máscara


Sigur Rós, “Glósóli”, in https://www.youtube.com/watch?v=Bz8iEJeh26E
I
Atrás da máscara. Não é fértil o chão se não houver um palco. Um palco onde o fingimento seja consagrado. Ninguém usa os rostos. Ninguém os põe à mostra. Essa seria a suma fragilidade da condição humana, uma vulnerabilidade insuportável. Preferem fingir. Precisam de máscaras como estuário do fingimento. Andam atrás das máscaras como se num filão estivessem a escavar em demanda do ouro. Esta é a malparida quimera: uma filigrana estilhaçada à mercê das máscaras que dão cobertura ao fingimento.
II
         Atrás da máscara: as pessoas estão atrás das máscaras, ao cabo de uma diligente empreitada que cuidou de encontrar os mercados onde podiam obter aprovisionamento. Sobem a palco. Escondidas atrás das máscaras, que falam pelo fingimento em que se decompõem. Ninguém sabe do paradeiro da mentira: a ténue linha de fronteira impede a delimitação entre dois antónimos (verdade e mentira). Os dois conceitos parecem esgotados. As palavras que os sinalizam parecem subtraídas ao vocabulário, ou, pelo menos, destituídas de sentido. Tudo se passa atrás das máscaras que contracenam. 
III
         Dantes, havia almas generosas que recusavam ostentar máscaras e davam-lhes caça. Iam atrás das máscaras para as denunciar, para as arrancarem dos rostos atrás delas escondidos. Agora já não há estes zeladores. Cansados da função, renderam-se. Não conseguiram suportar o excruciante estado dos rostos denunciados após extração às máscaras. De tanto tempo nelas refugiados, os rostos revelavam-se desfigurados. Já quase ninguém ia atrás das máscaras. Com medo dos rostos desfigurados. Com medo que fosse uma doença contagiável e eles próprios fossem assaltados pela imperatividade de uma máscara.
IV
         A noite contínua era a maior máscara que descia sobre o rosto coletivo. Uma metáfora contraída, a metáfora exangue pelo poder destrutivo das máscaras – pelos rostos desfigurados. Dizia-se, com saudade dos tempos humanos: oxalá as máscaras servissem apenas de proteção. Não era o caso. O teatro contínuo era um desfile de farsantes. Ao menos, havia lugares onde era possível fugir das máscaras (como se fosse uma máscara anti máscaras). 
V
O teatro da poesia era o lugar furtivo, ermo, sem acessibilidade revelada, onde não havia máscaras.

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