27.5.20

Bandeira vermelha (short stories #217)


Patrick Watson, “Fireweed”, in https://www.youtube.com/watch?v=GGRV60jAfL0
          No parapeito da maré-viva, hasteada a bandeira vermelha. O melhor arnês era recusar o mar. O seu tumulto pressagiava a tragédia para os intrépidos que fossem mar adentro. Talvez não voltassem a ter os pés em terra. Esse era o anúncio cautelar da bandeira vermelha. Um escritor (cujo nome a memória não cauciona) dizia, em sua pose senatorial própria da vetusta idade, que a bandeira vermelha estival era uma metáfora da vida. (Ele não tinha a ousadia de reproduzir a bandeira vermelha como a metáfora da vida. Era uma das metáforas.) Às vezes, não se sabe do mapa das vielas onde podemos ser arrancados do sangue primacial. E metemos o corpo ao caminho, sem pressentirmos o labirinto que não tem porta de saída. Outras vezes, é a loucura que nos empurra para um lugar onde, chegados, percebemos que tem como hino a bandeira vermelha. Tarde de mais. A prelúcida metáfora desdobra-se no paradoxo da bandeira vermelha. São poucos os palcos mais arrebatadores do que o mar tumultuoso servido por uma maré-viva. A bandeira vermelha é o chamamento para os que se inebriam com a convulsão da maré desarmadilhada. Mas o chamamento costura-se numa margem de segurança, como se a bandeira vermelha tutelasse o irrecusável cinto de segurança. O mar iracundo não é generoso. Não oferece segundas oportunidades. Não é o melhor teatro para os temerários. Se a maré-viva estiver de mau humor, ou o jogo dos acasos soletrar o nome da morte, os audaciosos pagam com a vida. Os cânones ensinam que há proibições que não se congeminam apenas no secreto prazer de proibir-por-proibir dos mandantes. A maior coragem é a de guardar a vida num cofre com labiríntico código de segurança. A maré-viva não está com mesuras ou mordomias. Se o mar embravecido é um poema vivo à exaltação dos elementos, a bandeira vermelha é a mnemónica da segurança imperativa.

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