5.5.20

Para ler entre as linhas


Tindersticks, “For the Beauty”, in https://www.youtube.com/watch?v=P82ZvSiuc7s
Os espaços escondidos entre as linhas são os esconderijos das palavras. Se formos leitores apressados, temos por certo que certas palavras se nos escapam (e o sentido inteiro do texto, talvez). Não estamos à altura das palavras, porque se nos escapam as palavras entre as linhas. 
O que dizer dos esconderijos onde as palavras ciciam o seu magma? O vagar devia ser critério para a anamnese das palavras escritas. Devia soar um alarme de cada vez que fôssemos apanhados na contrafação de um texto por sermos presas das malhas estreitas da distração. Outro tanto não se dirá da pleura onde, sibilinas, se acomodam as palavras no sortilégio do espaço entre as linhas. Não se revelam ao olhar do leitor desacautelado. Ele é que tem a perder. Perde a riqueza das palavras que hibernam entre as linhas. Fica à margem da polissemia do texto. Em débito com a constelação de hipóteses em que o mundo se enovela.  
E o que dizer das palavras ditas? Habilitam-se com a mesma diligência à candeia dos espaços preenchidos entre as linhas? As palavras ditas têm outra moldura. Não é como as palavras escritas, um espaço que fica para memória futura, a menos que sejam destruídas. As palavras ditas estão limitadas ao espaço da memória. De quem as disse e de quem as ouviu. As linhas intervaladas, as que aprecem insinuadas nos silêncios que entrecortam palavras e frases. Como se fossem uma pontuação muito própria. Silêncios assim soletrados deixam as bocas em penhora do que ficou por dizer, ou do mais que se quis dizer com as palavras proferidas. 
É preciso saber ler entre as linhas nas palavras faladas. Não é tão ágil, a empreitada. As palavras ditas trazem o lacre do efémero. Ficam à guarda da memória. A memória de quem as tutela e de quem as escuta é contingente, permeável a fendas que não deixam certificar que as palavras ditas tiveram certas linhas a entrecortá-las. Para ler entre as linhas das palavras faladas, é devido respeito à honestidade. E deve o exercício ser precedido por um tirocínio mínimo na leitura de palavras escritas que se exilam entre as linhas.

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