The Stranglers, “No More Heroes” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=Db0VB_MmeK0
Não era o eclipse esperado. A penumbra corroía a claridade, mas previra-se uma convulsão ansiolítica. Os olhares sintonizados com o céu distraíam-se do demais. Era o nirvana para os ladrões de almas.
Nem os que foram para as cumeadas viram amnistiado o esforço. O ultimato fora em vão. As pessoas encolhiam os ombros, como se já desconfiassem da desilusão. Não imprecavam o sucedido. As variáveis que se congeminavam estavam fora do seu domínio. Não se arrependiam do tempo gasto. Podia ser que os peritos tivessem feito mal os cálculos. Podia ser que fossem extravagantes, os cálculos (e os peritos), só para os peritos concentrarem as atenções da gente demais. Ou era uma vingança dos peritos, desagradados pelo reconhecimento avulso, pois só eram consultados quando o céu exibia fenómenos aberrantes. (Ou estavam frustrados porque fora da regularidade não tinham serventia.)
Depois, vinha informação conclusiva, a janela aberta para o próximo episódio: “o próximo eclipse com esta dimensão só voltará a acontecer no ano...” (dos jornais). Até lá, as pessoas seguiriam as vidas monótonas. Deslaçando o olhar do céu, pois esse não é o seu território. Os que não temem a morte e alinham pela liturgia das religiões coabitam no significado metafísico do céu. No dia do eclipse, deixaram o monocórdico atributo celestial para reunirem com a ciência. Por um dia, a ciência cuidaria de suspender as religiões. Os racionalistas esfregaram as mãos com a antecipação do lucro.
Os seguidores dos deuses arriscaram a sorte com o eclipse. Se os peritos não tivessem feito cálculos por excesso, e a escuridão no pináculo do dia tivesse vingado, o céu ficaria um vulto. Cuidariam de interrogar se esse era o sobrecenho do céu no dia em que nele fossem acolhidos? Mal maior não sobreviria – antecipariam os crentes, ao mesmo tempo de si cientes: nem a luz no fim do túnel, ou seja, um lampejo de esperança ao serem sentados no trono dos julgados no ermo céu, chegaria para os resgatar do lugar sombrio que habitam na terra e adivinham ser seu inventário no céu.
O eclipse malogrado salvou-os da improfícua redenção que dizem estar à sua espera. Se a penumbra tivesse prosseguido e a escureza tivesse tomado de assalto o céu, teriam sentido o leve acidular do céu que os espera. Talvez, em vez disso, reconhecessem a toca do lobo. Só não saberiam se o lobo estava esfaimado e se tinha o dente afiado.
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