4.8.20

Ecossistema (short stories #239)

dEUS, “Disappointed in the Sun”, in https://www.youtube.com/watch?v=BWtTq1hLfKQ&frags=pl%2Cwn

          Não são as labaredas propositadas, o fogo ateado sem procuração, que desmentem o ecossistema. Não é a lava abundante que bolça do vulcão atávico que deslaça as fruteiras em que se firma o ecossistema. Seria preciso muito mais. Pois o ecossistema é o martelo que percute nos ossos válidos que amparam o corpo. Tem de ser à prova de contratempos. Civiliza labirintos. Mesmo quando decai na sua aparente fragilidade e aos olhos expoentes se mostra como uma península quase a romper com o corpo ancorado nos esteios largos, onde medra o restante solo. O ecossistema não se fez num dia. Não é obra ao acaso (nem de um acaso). Levou tempo a ser cais onde se fundeiam os sobressaltos que investem sobre a insistentemente planeada perfeição, lembrando que é estulto continuar refém da perfeição. É isso o ecossistema: uma chamada à terra, o paradeiro da desligada tocha que incendeia as ilusões. Não há quem sobreviva sem ter como amparo um ecossistema. Mesmo os que o recusam, ou os que não dão conta de serem corpóreos embaixadores de um ecossistema. Nem que tenha o tamanho de um pequeno metro quadrado; o ecossistema transborda as dimensões que se medem através das escalas dos homens. Com a sua intermediação, aprendemos que as medidas não se apuram pelas costuras que se representam em mapas amurados. É da sua água, do seu fogo em infusão, da terra (ora fértil, ora estéril), do odor que empresta rosto ao ar circundante, que o ecossistema parafraseia os alinhavos do seu tutor. Uma espécie de roupa interior só à mostra para quem se refugia no aconchego do ecossistema. Ninguém quer emprestar o descaso da sua intimidade aos demais (a menos que conte o modismo de desnudar tudo da vida própria até à medula constitutiva). O ecossistema é pessoal e intransmissível.




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