10.8.20

Fim do mundo (desverdade) (short stories #243)

MOMO., “Diz a Verdade”, in https://www.youtube.com/watch?v=X9ZLzfztObo

          Não disse: queria uma pista para ver o fim do mundo. Diria, em alternativa formulação: quero saber qual é o fim do mundo. Ser um investigador meticuloso da sua ontologia. Vestir uma bandeira sem dono e desmentir as desverdades que se engalanam no estertor em que meneia a verdade imposta. Eu sei: a verdade é um lugar difícil de encontrar, a verdade tão exposta ao pecaminoso destilar do subjetivismo, tão fraturada pela autópsia dos fragmentos em que se decompõe. Não quero saber da objetivação da verdade. Não quero saber dos artífices da verdade, esses predadores que se mostram no pedestal de onde vindicam a origem da verdade. Quero-os denunciar, protestar a falácia que os cobre. Os que querem tão diligentemente fixar as fronteiras da verdade escondem a ilusão do seu contrário: quem tão urgentemente quer dizer as baias da verdade sabe que as mentiras a desfazem por dentro – serão eles os primeiros intérpretes da mitomania? São eflúvios que dispensam o desgaste da atenção. As pessoas fazem o que querem. Não queiram de mim um roteiro. De mim sei o que cobiço no cabo espinhoso que pode ser cada dia. Procurar o fim do mundo, por exemplo. Mesmo que vá desfilando um emaranhado de incógnitas sem fim, cada interrogação como fermento sábio da interrogação seguinte, e assim sucessivamente. O fim do mundo não é onde ele acaba. O fim do mundo é a prova da sua existência. O muro onde vem caiado, ou depressa extinto o mural ao ser transfigurado num quadro onde as cores se sobrepõem na desordem estabelecida. Não queiram de mim uma prova do mundo. Encontrem-na no caudal que vos for servido; pois a imagem do mundo é diferente consoante o olhar que nele se detenha. Esse é o fim do mundo: uma liberdade sem preço.

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