18.8.20

Vénia desamparada (short stories #249)

Iceage, “The Day the Music Dies”, in https://www.youtube.com/watch?v=14eJfs8O--Y

          Os leões precisam de genuflexões. Era o que pensavam os súbditos enquanto eram instruídos para pajear os ditos. A dignidade perdida dissolvia-se pelas ruas da cidade. Os leões, em sabendo do superior estatuto, não se faziam rogados e eram, no que à vassalagem dizia respeito, glutões. Um apóstata em renúncia tinha garantida a cidadania gasta. As liberalidades do reino destinavam-se aos que se privassem de dignidades. Dizer não se pode que a troca era a condizer. Os suseranos distribuíam indulgências consoante métodos arcanos. Ninguém via os súbditos a recuar e a procurar mais além. O fomento da compostura perdia-se no nevoeiro que era da sua dependência o fermento. Até os mancos e os manetas se ajoelhavam diante dos venerandos, e não era método que aceitasse a sujeição aos poucos. A escola não servia ciência de boa gola. Os lentes eram propensos às histórias fantasiosas, mentindo com todos os dentes. Não era por voluntário ato que o faziam, sob pena de sobre eles cair o juízo sectário. E era tão fácil terminar uma carreira sob o ponto de mira de polícia tão ágil. De tão indulgente ser a aparência, os súbditos continuavam a ser anestesiada gente. Os lacaios, devidamente armados com a baioneta da persuasão, faziam dos súbditos perenes catraios. O desassombro era perigoso armamento, como um fantasma da libertação a espreitar sobre o ombro. A periódica vénia era instituição metódica. A hibernação da vontade não caucionava a autenticidade da genuflexão. Os nobres senhores, sem o saberem, destinavam o povaréu ao papel de derruídos cobres. No sono uns dos outros viviam, súbditos e suseranos, metidos no bordão de um pobre pano. Avarento, o tempo jogou-se em forma de contratempo. E o lugar não saiu do imorredoiro vagar. Dele disse o tempo ter ficado para trás como alguém que exagera na mesma pele. 


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