6.8.20

Torneio (short stories #241)

Trentemøller, “Take Me Into Your Skin”, in https://www.youtube.com/watch?v=6R3Kp0dGyvI

          Uma arena qualquer, onde haja quem se preste à comparação. Dizia: “ensinaram-me que a vida é uma competição.” Mas o princípio geral da concorrência asfixiava a lucidez. Não era preciso entrar em liça contra outros. Se ao menos percebesse o quadro geral, haveria de recomendar a existência que sobreleva sobre qualquer torneio. Mas tudo servia para medrar um torneio. Se não eram as coisas pessoais, como se estivesse continuamente em competição com os outros, eram as coisas mais comezinhas – uma cidade, uma iguaria, um restaurante, um filme, um disco, um livro. Eram escolhas imóveis no tempo: ao longo do tempo, a mesma cidade, a mesma iguaria, o mesmo restaurante, o mesmo filme, o mesmo disco, o mesmo livro. Defendia os seus troféus com unhas e dentes. Mesmo que não soubesse do que falava quando alguém lhe falava de outra cidade, outra iguaria, outro restaurante, outro filme, outro disco, outro livro – porque, desconhecendo-os, não tinha o estalão serviçal da comparação. O casulo em que permanecia era uma forma vetusta de ensimesmamento. Condescendia, num possível ato de tolerância e magnanimidade: nem só o dele tinha certificação de qualidade, mas o dele tinha qualidade superior. Permanecia num contínuo mergulho no poço da negação, pois não é possível puxar o lustro à superioridade da casta porque o terrível subjetivismo (palavra desconhecida do seu vocabulário particular) era um embaraço irremediável. Todos os torneios em que participava militantemente saldavam-se militantemente por vitória. Tinham de se saldar por vitória – pelo menos, no seu âmago. Mesmo que fosse provada a não confirmação da vitória. Por perfilhar a superioridade de si e das suas escolhas, sobre ele se enlaçava um estado de negação perene: uma não vitória tinha sempre a tradução de uma vitória. Era como se fosse uma ilha, sozinho na pequenez das suas escolhas.


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