Idles, “A Hymn”, in https://www.youtube.com/watch?v=eYGtGcJ8rKw
Fervia a voz tonitruante no pedestal do mundo. Eu corria. Corria o mais que podia. E, todavia, não saía do mesmo lugar, por mais que as árvores rodopiassem a uma velocidade estonteante. Atrás de mim, demónios industriando a perseguição. As vozes sondavam as entrelinhas onde idiomas estranhos vociferavam contra mim. Não sei de que males vinha acusado (mas tenho a vaga impressão, para não recusar um eufemismo, que se vier acusado de algo não será por obra do acaso). A chuva tépida irritava a pele que se escondia do ar exótico. Havia uma certa luxúria implícita. Não o sabia explicar, e até parecia paradoxal. A tensão irrigava os músculos, que se emparelhavam com a adrenalina disforme. Se fosse ao porão de mim, talvez encontrasse demónios escondidos. Dou comigo a parafrasear a loucura: os demónios não se escondem de quem querem amotinar. Estranhamente, a torneira do medo continuava garroteada. Na rua, vozes de crianças em estado infantino. O ludismo não encontra rima com um estado de alma que ultrapassou a feérica voz dos limites. Não me inquietam, as crianças lá fora. Sei que os demónios desconhecem a pureza das crianças – ou assim o disfarçam, temendo que se morderem a pureza das crianças um superior divino qualquer os condene à extinção sem apelo. Ao entardecer, o olhar detém-se no horizonte. E no horizonte só há televisões que reproduzem um caleidoscópio de coisas, todas diferentes em cada ecrã. Não consigo processar as imagens que se atropelam anarquicamente. Talvez não interesse. O olhar sobressaltado faz-se inquisidor das televisões, desliga-as uma a uma. E depois, entronizado conspirador-mor do reino contra a frugalidade das televisões, está capaz de chamar a espada que povoa de paz o mundo de que sou fronteira. Continuo a correr. Já não vejo demónios. O lugar continua o mesmo.
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