Não afundam os centímetros vagos que trazem o lastro do peso insondável. As imagens passam na televisão: dispersas, difusas, sem gramática. Confundo os termos em que se penhora o alvor que podia ser a fundação para o lugar estreito onde o pensamento se desembaraça. As nuvens vertem uma chuva esparsa sobre o teto do mundo. Sem a varanda de onde poderia apreciar os contornos do mundo, fico pela lucidez do meu quarto. O pensamento não ficará órfão. As paredes não se encolhem, por mais que os pesadelos o pressintam. As mãos transcendem a exiguidade do quarto e aplanam a dança sem regras que espraia sobre a imensidão da paisagem. É como se as mãos fossem o promontório destacado a que se daria o nome de varanda. Em vez do olhar embaciado, noto a iridescência da manhã sem o embargo da névoa habitual. Digo: não sei de que fronteiras se farão os usos, mas quero delas ser emancipado para transitar pelo novo, até que o novo se torne habitual. Nessa altura, talvez queira regressar à monotonia – como na indiferença das paredes que amuram o quarto. Não sei do paradeiro da consequência. Distraído com fragilidades sem prova legítima, cobro implacavelmente o preço da anestesia. Às vezes, é como se tudo se passasse ao lado, e eu um equívoco situado num plano errado. Não compreendo as variegações do mundo. Assalta-me um leve aroma de errabundo. A suspeição de errância não tresmalha o sossego. Prossigo com os dias, afinado com a sua coreografia. Às vezes, refugio-me nas ameias onde o mundo se disfarça de si mesmo. E desenho tudo, desde as porosidades de um chão fértil até à cor que quero para o céu. Não me esqueço que preciso de desmentir os hábitos. Não há lugar para monges.
12.8.20
O hábito sem monge (short stories #245)
Ólafur Arnalds, “Back to the Sky”, in https://www.youtube.com/watch?v=SwX4b8ohI5o
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