5.8.20

Paraquedas (short stories #240)

New Order, “Crystal”, in https://www.youtube.com/watch?v=KVMyXDsadLQ

          Os ventos estão cruzados – não se pode dizer que haja um quadrante dominante, ou é a bússola que está embriagada. Não tarda, o corpo vai ser atirado ao precipício. No céu, mais acima, a silhueta da lua esconde-se na claridade estival. Como se o céu tivesse um biombo e, vigilante, a lua se prometesse ao entardecer. Talvez as divagações aplaquem o nervoso miudinho. O vento cantarola lá fora – percebe-se que está iracundo, mas ninguém se atreve a perguntar porquê. A escotilha há de abrir a qualquer momento. Pressente-se o vento desarrumado – o avião parece um navio a atravessar o mar desenhado por uma tempestade (talvez seja o avião que está embriagado). Aposta-se no número de socalcos que medeiam entre a altitude presente e o chão de aterragem. Para disfarçar os sinais de angústia que parecem ter engolido de supetão a coragem marialva, os passageiros contam anedotas. Mas sentem-se as bocas secas, as mãos trémulas – e se não fosse pelo grosso fato que esconde o paraquedas, os corações de alguns queriam saltar do corpo antes que o corpo saltasse do avião. São todos intrépidos aventureiros de aviário. Antes que a escotilha seja aberta, tiram à sorte quem salta em primeiro lugar. É para disfarçar o desejo inconfessável que o avião dê meia-volta e o comandante informe que o vento encapelado não tolera saltos de paraquedas. Não será o caso. O comandante anuncia: “três minutos. Dirijam-se à escotilha.” Ninguém se levanta – receiam que, uma vez em pé, com o avião embriagado (afinal não era a bússola), os corpos sejam atirados contra as paredes metálicas do avião. O mais afoito dá o exemplo. Os outros não podem ficar atrás – a bravura que é apanágio da masculinidade impante é o alçapão que a desfaz a nada. O comandante fala pela última vez: “um minuto. Não se esqueçam dos paraquedas.” Era escusado o eufemismo.


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