Um curativo sob os auspícios dos artesãos sem rosto: cuidavam do aformosear dos lugares, convocados para a decantação dos argumentos inválidos. E quem decidia que os argumentos eram inválidos?
A avareza dos Homens não podia ser subestimada. Por muito que fosse razoável admitir que a generosidade conduz as almas, era mais prudente ter uma reserva de desambição de lado para lidar com as congeminações que desmentissem esse lugar idílico. Os artesãos sem rosto eram os curadores da empreitada. E que credenciais tinham os artesãos sem rosto?
As pessoas gostavam de mapear fotografias do mesmo lugar. Numa das fotografias o retrato do lugar como ele é agora e na outra a sua moldura num qualquer tempo pretérito. Era como se se exercitassem no ludismo de quem é desafiado nas páginas dos jornais a descobrir as diferenças entre dois desenhos. Fazia-se a contabilidade das diferenças num papel à parte. Quanto mais abundante fosse a contabilidade, mais exultavam os impetrantes. O progresso era a sua medida. E quem assegura que o progresso é o estalão legítimo?
Entre duas garfadas e um copo de vinho, os que estavam amesendados amoedavam uma frivolidade qualquer. Não se espere destes manjares profícuas demandas sobre a existência, ou sobre outras especulativas demandas a coberto das humanidades. Os prazeres mundanos não foram proscritos. Quase todos faltavam à chamada se o oposto fosse o alinhavo reinante. Areópagos outros existem onde essa finalidade é prosseguida. E quem sentenciou que os prazeres da boa mesa têm de ser incompatíveis com densas elucubrações da alma?
Na estrada entre dois sítios ao acaso, vão sendo contadas as árvores que a bordejam. Que idade terão? Teriam feito a contabilidade dos veículos que foram suas testemunhas? Terá repousado neve naquelas árvores? Uma curva apertada anestesia o exercício especulativo. Não é intenção dar de provar a uma árvore mal situada o impecável vestido do veículo e, para que conste, os passageiros não têm hora marcada no hospital mais próximo. E quem julga que uma árvore está mal situada?
À hora marcada, encontram-se para o encontro combinado. Um deles pergunta pela vida do outro. Este devolve a deferência. Demoram-se no protocolo e arrastam-se nas convenções imputadas aos (soi-disant) bem-educados, adiando os assuntos substanciais. Quando se despedem, não passaram do prólogo convencional. Talvez não tivessem nada para dizer. Encontraram-se na mesma. São artesãos sem rosto. Um deles ainda se descaiu: “é preciso matar o tempo”. O outro não o desmentiu com o silêncio. E por que se convencionou frase idiomática tão simultaneamente assassina e suicida?
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