O que têm em comum esta notícia:
Além da espuma das aparências, onde não se percebe o fio à meada, as duas notícias são um oráculo de contradições. Pode ser bizarro pô-las em diálogo se parecem falar sobre coisas tão diferentes e de locais tão distantes. Com a atenção fervida, a argúcia chega ao ponto de caramelo. Duas notícias afinal sobre o mesmo assunto, mas tingidas de cores tão díspares.
Primeira anotação: os burocratas que marcaram na agenda o dia europeu da disfunção eréctil ou andam distraídos ou fizeram de propósito, só para contrariarem o zelo empenhadamente comercial do dia dos namorados. É que as duas "efemérides" coincidiram no mesmo dia. Uma coincidência – como dizer? – carregada de cinismo. Logo quando se convencionou inflamar a chama da paixão das pessoas enamoradas, os cinzentos burocratas escorregaram para o deslize de lembrar que nesse dia também se "celebra" a disfunção eréctil.
Imagino que a disfunção não careça de "celebração" alguma. Mesmo que se aceite a "efeméride" na banal lógica da criação do dia europeu de tudo e mais alguma coisa, mesmo que se admita que as piores enfermidades merecem um dia para lembrar a sua lamentável existência, fazer coincidir o dia dos namorados e o dia em que a Europa se lembra da impotência masculina é bizarro. Logo no dia dos namorados, o dia que se consegue desprender do espartilho comercial, o dia que convoca o sublime romantismo que, parafraseando um famoso comandante náutico algarvio a condenar indecorosas massagens em plena praia, "sabemos como acaba". Lembrar da disfunção eréctil no dia de S. Valentim é como despenhar um balde de gelo sobre a intumescência que fora convocada para consumar a celebração dos namorados.
Tenho duas teorias para esta improvável coincidência de "efemérides". Os burocratas que inventaram o dia da disfunção eréctil são agentes infiltrados da Opus Dei. Como aconselham o sexo apenas para efeitos de procriação da espécie, perturba-os que as pessoas se entretenham em devassidões como as que são patrocinadas por S. Valentim. Maldade em estado puro: quando meio mundo abraça o romantismo de jantares à luz da vela e juras de amor que são eternas até se esvair a chama, e quando essa metade do mundo está quase a perder-se na volúpia, adeja um desmancha-prazeres vestido de sotaina a aspergir o dia catorze de Fevereiro com a recordação da disfunção eréctil. Esta coincidência de "celebrações" tem outra explicação possível: quem marcou a lembrança da disfunção eréctil no dia dos namorados foram umas funcionárias superiores que cederam ao poderoso lobby das lésbicas.
A notícia sobre os "festejos" da impotência masculina revela que são as mulheres (de maridos ou companheiros afectados pelo flagelo, supõe-se) que tomam a iniciativa de procurar cura para um mal que não é directamente seu. É aqui que esta notícia é contrariada pela notícia da insólita greve convocada por um grupo de mulheres que não gosta da dupla Putin-Medvedev. Na outra notícia, lê-se que são as mulheres que "(…) começam já a ser mais participativas e puxam o seu parceiro para estas consultas" (de tratamento da disfunção eréctil). As peças do puzzle encaixam-se: elas são, afinal, vítimas indirectas da perda de aptidões dos parceiros. Em linguagem terra a terra: é porque gostam da coisa. Mas depois lê-se que um grupo de opositoras de Putin e Medvedev sugere uma greve de sexo com orientações ideológicas (só contra os homens que apoiarem quem manda no Kremlin). Fica no ar a insinuação de que elas fazem um frete quando se entregam a lascivas práticas. O catecismo grevista ensina que, numa greve, os sacrificados não são os grevistas, mas quem é afectado pela paralisação de funções. Se as senhoras recusam os prazeres carnais, é porque esses prazeres o são apenas para as vítimas da greve.
Eis como a notícia vinda da gélida Rússia contraria a notícia sobre a disfunção eréctil. Outra teoria, para acabar: desconfio que o grupo de mulheres que anda de candeias às avessas com a dupla Putin-Medvedev coincide noutro pergaminho – a frigidez.
Sem comentários:
Enviar um comentário