4.2.09

O Phelps fumou umas ganzas. E depois?


Vomitar em cima de lições de moral só me aborrece por causa disto: distraidamente, acaba por ser outra lição de moral. Ainda que me queira convencer que se trata de uma lição de anti-moral (ou de uma anti-lição de moral), repudiar os meirinhos que por aí andam ofendidos com actos alheios, disparando a exigência de reparação da conduta, assalta-me a dúvida: e não será esta objecção às pitonisas da moralidade uma forma diferente de exalar moral?


O mais interessante é ver os sacerdotes e as sacerdotisas numa demorada procissão onde são fumigados os descaminhos dos outros. Sempre dos outros, que a vida destes sacerdotes e sacerdotisas que pregam a sua elevada moral é imune a pecaminosas tentações. Tenho cá uma desconfiança que os seus armários estão repletos de fantasmas pouco recomendáveis. Talvez seja isso que os faz juízes supremos dos desvios que os outros cometem à moralidade aconselhada.


Michael Phelps, o grande campeão dos jogos olímpicos de Pequim, foi apanhado a fumar marijuana. Com direito a fotografia, certamente vendida por uma pipa de dinheiro ao primeiro jornal sensacionalista, pois já teve direito a publicação nos tablóides. Não me apetece discutir se consumir cannabis deve ser legal ou ilegal. Tirando a Holanda, é de fazer corar de vergonha quem se entregar a essa licenciosidade. Todavia, quem deseja atirar a primeira pedra? Nisto estou à vontade: libertário dos sete costados, defendo a legalização de todas – sublinho, para que não sobrem dúvidas, todas – as drogas. E estou à vontade porque nunca experimentei nenhuma substância estupefaciente (o álcool, por sublime hipocrisia social, não conta, pois não?).


O grande campeão com a vida devassada porque teve um, vamos lá dizê-lo para comprazimento dos sacerdotes e das sacerdotisas da boa moral, "deslize". Nestes tempos de voyeurismo colectivo sobre a vida dos famosos, as suas vidas ficam expostas às intromissões de uns parasitas que se especializam na paciência de os seguirem para todo o lado, espiolhando-os, esperando o mínimo – outra vez, em coro – "deslize" para conspurcarem as páginas dos periódicos sensacionalistas. Um anónimo a enrolar um charro no meio de um festival de verão é uma banalidade; se essa pessoa tiver um nome sonante, caem todos os anjinhos do altar pela ousadia em desafiar a legalidade e praticar um acto que merece a – preparem-se – "reprovação da sociedade". A "sociedade" não está preparada para lidar com "deslizes" dos filhos de boas linhagens. Que seja a maralha indiferenciada a praticar as entorses à "moral e bons costumes", já é irrelevante, mesmo que seja nas barbas de um polícia.


Convencionou-se: que os de boas linhagens não devem escorregar para actos pecaminosos. Senão abate-se sobre eles o maior dos opróbrios. No fundo, é como se houvesse punições diferentes para o mesmo acto praticado por diferentes pessoas. Aos mediáticos, e entre estes aos que, por serem campeões, são exemplos a seguir na "sociedade", calha em sorte não terem direito a cometer o menor "deslize". Para não irem parar às turvas águas onde são denunciados por zelosos sacerdotes e sacerdotisas da boa moral. A vergonha de serem apontados a dedo em público é a maior das punições, e nem sequer é determinada por um tribunal. Dirão os sacerdotes e sacerdotisas da boa moral que é o preço por terem defraudado a exemplar imagem que carregavam. Se do enxovalho não escapam, só dele se recompõem quando pedem licença para pedir desculpa. Exige-se que sejam humildes na hora de recuperar a confiança da turba que neles via o paradigma a seguir.


Phelps não demorou no acto de contrição que a "sociedade" estava à espera. Eu acho tudo isto abjecto: não o campeão olímpico de natação ter mergulhado para as profundezas das sensações trazidas pelos vapores da marijuana; mas isso ter-se transformado em notícia. Até parece que Phelps desceu do Olimpo e passou a ser um comum mortal. Tão mortal e tão comum como os que se assoberbaram a destapar a notícia e os que se sossegaram quando leram o público pedido de desculpas do nadador.


Como é difícil a vida de uma figura pública. Sem direito a privacidade, sem poder resvalar para um excesso aqui e ali, que logo mil abutres rondam com a vista aguçada e a lente preparada para captar o momento. Às vezes apetece ser tão polícia de costumes como estes sacerdotes e sacerdotisas da boa moral. E pôr a mexer uns serviços secretos quaisquer, só para descobrir os podres destes sacerdotes e sacerdotisas. Podia ser que desaparecessem do mapa.


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